Trump pode barrar cidadania automática para filhos de imigrantes ilegais e temporários? Especialistas explicam decreto
Medida assinada pelo republicano vai de encontro ao 'jus solis' (direito do solo), previsto na Constituição
Foto: Divulgação/Casa Branca | Reprodução
Os Estados Unidos são o principal destino de imigrantes brasileiros. Segundo dados do Departamento de Segurança Interna de 2023, dos quase 2 milhões de brasileiros que moram nos EUA, cerca de 230.000 estejam de forma irregular no país. Não é estranho, portanto, que as novas medidas anti-imigração anunciadas pelo presidente eleito Donald Trump tenham caído como uma bomba por aqui: as ordens assinadas pelo republicano colocam em risco de deportação milhares de brasileiros que foram em risco do 'sonho americano' e, mais do que isso, aos descendentes dessas pessoas.
Trump visa impedir que filhos de imigrantes ilegais e de visitantes temporários nascidos nos Estados Unidos ganhem a cidadania norte-americana. Hoje, em ambos os casos, este registro é concedido de forma automática, como explicou o o advogado e sócio do escritório Azi e Torres Associados, Victor Campelo.
"Existem 2 critérios, principalmente nos países ocidentais, para se definir a cidadania de uma pessoa. O jus solis – direito do solo - e o jus sanguinis – direito de sangue. No caso do Brasil, por exemplo, é adotado um sistema misto, em que ambos os direitos servem para definir a cidadania. No caso dos Estados Unidos, por previsão Constitucional, há o direito à pessoa nascida naquele país ter direito à cidadania americana, o que pode gerar a busca, por estrangeiros, para que seus filhos venham a nascer em solo americano", pontuou o advogado.
A decisão do republicano pode dificultar a obtenção do registro, porém, não é taxativa, avaliou Victor Campelo. De acordo com o especialista em direito constitucional, a ordem executiva do presidente, que é uma determinação direcionada para a organização administrativa daquele país, não tem força de lei e muito menos de norma Constitucional.
"O que pode acontecer nesse primeiro momento é uma dificuldade ou burocracia maior para obtenção do registro do recém-nascido, mas a extinção do direito só pode ocorrer por alteração da Constituição Americana através do Congresso daquele país, o que especialistas dizem ser improvável que ocorra. Há um entendimento, ainda, de que eventual questionamento à Justiça americana pode ser decidido em favor da concessão da cidadania ao nascido no país", disse Campelo.
Democracia estremecida?
De acordo com a internacionalista Marin Andrade, para alterar legalmente a Constituição, Trump precisaria de dois terços do Congresso ao seu lado, o que classificou como um "número alto" para uma medida "extrema". Apesar disso, Marin sinalizou que, mesmo com pequenas chances de ir adiante, a existência do decreto por si só já é um problema.
"Mesmo que o decreto seja revogado, só o fato dele existir já põe em risco um entendimento que até então era dado como certo. Além do desgaste de desfazer o decreto e da corroboração com a xenofobia, há um abalo na democracia nacional", destacou a internacionalista.
Ainda segundo Marin, a princípio, o decreto será barrado e, quem já tem visto e cidadania, dificilmente irá perdê-lo. "Mas é preciso ficar de olho e entender que direitos adquiridos são extremamente frágeis", sinalizou.