Universidades adotam entrevistas para avaliar candidatos no vestibular
Comunicação e postura são algumas das habilidades analisadas nas entrevistas

Foto: Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Créditos: Divulgação/ Ensino Einstein.
LUCAS LEITE -
Uma prova com questões de múltipla escolha e uma redação. Esse ainda é o formato predominante da maioria dos vestibulares no Brasil. Nos últimos anos, porém, instituições de ensino têm incorporado novas etapas aos processos seletivos, buscando um retrato mais amplo dos candidatos que vá além da prova tradicional.
A adoção desse modelo tem como objetivo identificar habilidades que não costumam aparecer nos exames convencionais, mas que influenciam diretamente o desempenho acadêmico e profissional, como comunicação, empatia e postura diante de situações do cotidiano. Com isso, as instituições passam a avaliar também competências comportamentais, e não apenas o domínio de conteúdos teóricos.
Esse tipo de processo seletivo já é comum em universidades no exterior. Além das provas, essas instituições consideram outros componentes para a admissão, como participação em atividades extracurriculares, histórico escolar, redações pessoais e cartas de recomendação.
As etapas adicionais, como entrevistas, têm foco na avaliação socioemocional dos candidatos — aspectos que, segundo as próprias instituições, costumam passar despercebidos nas avaliações tradicionais.
A Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, por exemplo, adota entrevistas no processo seletivo do curso de medicina. Na primeira fase, os candidatos realizam a prova tradicional, composta por questões de múltipla escolha. Os aprovados seguem para a segunda etapa, chamada de Múltiplas Minientrevistas (MME).
Segundo Júlio Monte, diretor acadêmico do Ensino Einstein, as entrevistas buscam identificar habilidades essenciais para a área médica.
“É uma área onde você precisa ter uma certa maturidade e competências socioemocionais, como trabalho em equipe, comunicação e empatia, que são tão importantes quanto o conteúdo técnico”, afirma.
Monte explica que, dos cerca de 8 mil candidatos que participam da primeira fase do vestibular, apenas os 500 melhores avançam para as MMEs. Em alguns casos, candidatos que obtiveram as maiores notas na prova acabam perdendo posições ou não sendo aprovados após a etapa de entrevistas.
“Na segunda etapa, não fazemos mais nenhuma avaliação de conteúdo do ensino médio. Isso já foi avaliado. Agora, precisamos filtrar se eles estão preparados e maduros para ingressar no curso de medicina”, explica.
As MMEs são compostas por oito estações de entrevista. Em cada uma delas, o candidato recebe um cenário antes de entrar na sala. No corredor, ele tem dois minutos para ler o caso que servirá de base para a avaliação.
Em um dos exemplos citados por Monte, o enunciado apresenta a seguinte situação: em uma residência estudantil, o candidato recebe por telefone a notícia de que o pai de Pedro — seu colega de quarto — sofreu um grave acidente de carro e está internado na UTI. A missão é comunicar essa informação ao colega.
Ao entrar na sala, o participante encontra um ator preparado para interpretar Pedro. A partir daí, deve conduzir a conversa como se estivesse diante de uma situação real. Durante toda a interação, o avaliador observa a postura do candidato e sua capacidade de lidar com cenários sensíveis, testando habilidades como comunicação, empatia e pensamento crítico.
A adoção de etapas além da prova tradicional também ocorre em outras universidades brasileiras. No Paraná, a Faculdade Donaduzzi incluiu entrevistas no processo seletivo de cursos nas áreas de tecnologia e administração.
“Nós sempre ouvimos que as pessoas não são desligadas do trabalho por questões técnicas, mas por questões comportamentais. Demos um passo além para compreender toda essa dimensão cognitiva”, afirma Paulo Roberto Rocha, vice-presidente do Biopark, responsável pela instituição.
O processo seletivo da Donaduzzi é dividido em três etapas. A primeira consiste em uma redação dissertativo-argumentativa. As fases seguintes avaliam o perfil acadêmico e o comportamento dos candidatos.
A seleção é realizada por agendamento e pode durar até quatro horas. Segundo Dayane Sabec, gerente acadêmica da instituição, as etapas ocorrem em grupos reduzidos, o que garante maior precisão e efetividade na avaliação.
Outras universidades reforçam que o vestibular precisa ir além da aferição de conteúdo. Para Tatsuo Iwata, vice-presidente acadêmico da ESPM, o mercado de trabalho exige cada vez mais competências como pensamento crítico, resolução de problemas, comunicação clara, criatividade e postura ética.
“A prova tradicional avalia conhecimentos cognitivos, mas não capta plenamente essas competências. Por isso, optamos por um modelo ampliado, capaz de observar o candidato de forma mais completa e coerente com o perfil profissional exigido atualmente”, afirma.
Na ESPM, diferentemente de outras instituições, a fase de entrevista ocorre antes da prova escrita. A nota final do processo seletivo é composta pela soma das pontuações das duas etapas.
Iwata destaca que esse formato tem caráter qualitativo e complementa a objetividade da prova escrita. Segundo ele, a entrevista permite avaliar motivação, clareza na escolha do curso, capacidade de argumentação, autonomia intelectual, criatividade e visão de mundo do candidato.
“Dessa forma, a entrevista confirma e amplia o que se observa na prova — e muitas vezes revela potenciais que não aparecem em um exame tradicional”, afirma.
Júlio Monte, do Ensino Einstein, ressalta que as situações apresentadas durante as avaliações não são excessivamente complexas e fazem parte do cotidiano dos estudantes.
“Nós nos surpreendemos com o poder de argumentação desses jovens. Não exigimos a maturidade de um adulto, pois sabemos que estamos avaliando jovens de 17 ou 18 anos durante apenas seis minutos”, explica.
De acordo com as instituições, os entrevistadores passam por treinamentos específicos. Na ESPM, por exemplo, a formação inclui capacitações com psicólogos e pedagogos, com o objetivo de padronizar critérios e garantir equidade nas entrevistas.
Na Faculdade Donaduzzi, as entrevistas são conduzidas por profissionais de uma empresa externa especializada nesse tipo de avaliação, composta por psicólogos e especialistas em recursos humanos.
Já no Einstein, os avaliadores também recebem treinamento, mas o quadro é formado por profissionais da própria instituição, como médicos, enfermeiros e psicólogos.


