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Bahia

Vídeo: professora denuncia racismo e intolerância religiosa em escola municipal de Camaçari

Sueli Santana relata agressões físicas e verbais de alunos e pais após lecionar sobre cultura afro-brasileira

Por Emilly Lima
Ás

Atualizado
Vídeo: professora denuncia racismo e intolerância religiosa em escola municipal de Camaçari

Foto: Farol da Bahia

Uma professora da rede municipal de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, denunciou sofrer racismo e intolerância religiosa praticados por alunos na escola onde leciona. Ao Farol da Bahia, Sueli Santana relatou que enfrenta as agressões verbais e físicas desde o início do ano letivo, após a chegada de novos estudantes na Escola Municipal Rural Boa União. 

Os comentários ofensivos sobre a religiosidade começaram quando alunos entre 10 e 12 anos, de uma mesma família, se recusaram a assistir à aula sobre cultura afro-brasileira, após observarem as vestes tradicionais do Candomblé usadas por Sueli em uma sexta-feira.  

De acordo com a professora, Camaçari ficou ao menos oito anos sem aplicar a Lei 10.639, sancionada em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Neste ano, a escola recebeu materiais didáticos específicos para essas aulas.  

"Algumas escolas faziam as atividades no mês de novembro, mas neste ano recebemos muitos materiais que poderiam ser usados. No início do ano, chegaram novos alunos e, entre eles, três pertencentes a uma família evangélica tradicional. Essas crianças se incomodaram ao me verem em uma sexta-feira com minhas vestes tradicionais do Candomblé", relatou Sueli.  

"Eu sou professora da rede municipal, mas também sou makota do Terreiro de Lembarocy, em Salvador. Makota é um título candomblecista, e eu sempre assumi minha religiosidade. Vou de branco toda sexta-feira à escola e, quando estou em rituais, além de vestir branco, cubro minha cabeça", explicou à reportagem.  

Ofensas como "bruxa", "demônia", "macumbeira", "satanás" e "feiticeira" passaram a ser ouvidas pela educadora todos os dias a partir do início das aulas. A família dos alunos envolvidos chegou a ser convocada pela diretora da escola diversas vezes ao longo do ano, mas as agressões verbais não cessaram.  

"Ela [a diretora] sabe de tudo que aconteceu na escola e nunca foi omissa, sempre chamou os pais. Mas é aquele tipo de coisa: chama os pais, conversa, e no dia seguinte tudo volta novamente. E, como gestora, a limitação dela é essa de acionar a família para conversar", afirmou Sueli.  

Agressões físicas  

Após o recesso escolar de junho, as aulas retornaram em julho, e o preconceito se intensificou. Em outubro e novembro, os ataques escalaram para agressões físicas, e a professora foi apedrejada pelos três alunos.  

"Passei a sofrer não apenas agressões verbais, mas também físicas. Eu fui apedrejada por esses três alunos. Em vários momentos em que eu chegava na sala de aula, havia versículos bíblicos escritos no quadro e uma Bíblia sobre a minha mesa. Quando eu pedia para que o dono retirasse, essas meninas diziam que a Bíblia estava ali para que Jesus salvasse a minha alma", relembra a professora, que foi agredida fisicamente no dia 30 de outubro.  

De acordo com Sueli, a Secretaria de Educação foi procurada pela gestora da Escola Rural Boa União para saber como proceder diante das ocorrências, mas a única orientação repassada foi para que a educadora parasse de trabalhar com o livro que estava sendo usado nas aulas, o ABC Afro Brasileiro.  

"A gestora da escola, diante de tanta pressão, procurou a Secretaria de Educação para saber o que fazer e, na primeira semana, fui proibida de trabalhar com o livro até que alguém fosse à escola conversar com os pais, como se a aplicação da lei precisasse ser autorizada", disse Sueli.  

"Na última semana, eu estava dando aula ainda com auxílio do livro, e a aluna olhou para mim e disse que a única coisa que os negros trouxeram para o Brasil foi a macumba e a maconha. Entre essas situações todas que eu vivi, os pais foram chamados e, por causa do livro, não só os pais dessas alunas, mas outros pais exigiram que os filhos não assistissem às aulas porque, além de a professora ser do Candomblé, esse tipo de aula não era para os filhos deles, pois falava sobre Candomblé", desabafou. 

Registro da denúncia

Inicialmente, Sueli não registrou denúncia, acreditando que poderia combater o racismo e a intolerância religiosa por meio apenas da educação. Porém, após sofrer violência física, decidiu buscar medidas legais.  

"O racismo é sutil, e às vezes a gente quer tratar com educação. Eu sou professora e entendia que pelas vias educacionais isso seria possível. Mas, quando você percebe que há violência dentro daquilo, começa a compreender que está tomando outros rumos e que a resposta precisa ser diferente. Até então, eu sentia que era um preconceito comigo e fiquei na escola tentando resolver de forma educativa, trazendo a questão da religiosidade como um direito que todo mundo tem. Até culminar com o ato da violência física. A violência psicológica eu até estava suportando, mas, quando partiu para a física, senti que minha integridade estava ameaçada", afirmou.

"A pedrada que levei acertou o pescoço, mas poderia ter atingido a cabeça ou os olhos, causando sequelas"

Nessa quinta-feira (21), Sueli registrou um boletim de ocorrência na 18ª Delegacia de Camaçari (Dean) e formalizou denúncia junto ao Ministério Público da Bahia (MP-BA). Ela foi incentivada pelo sacerdote Pai Lázaro de Oxóssi, do Ilê Axé Odé Faromin, durante um encontro pelo Dia da Consciência Negra.  

Pai Lázaro, que também é coordenador da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro (FENACAB) em Camaçari, afirmou ao Farol da Bahia que se sentiu incomodado com toda a intolerância religiosa sofrida pela professora e enfatizou que não vai parar enquanto a Justiça não for feita e o respeito à religião garantido.  


Foto: Farol da Bahia 

"Eu, como representante da matriz africana, me senti incomodado e disse a ela que ia tomar a paternidade e buscar a delegacia, os direitos humanos, o Ministério Público, a Fenacabe e as redes sociais. Nós, enquanto pessoas de matriz africana, de terreiro de Candomblé, não vamos parar enquanto não tivermos respeito. Não exigimos tolerância, pois tolerância não é suficiente; exigimos respeito", destacou o sacerdote.  

"A expectativa é que Sueli seja respeitada, que chamem os pais para comparecer à delegacia, já que os alunos são crianças. Depois disso, a Secretaria de Educação deveria respeitá-la e conceder um período de descanso para que ela procure um psicólogo e cuide da saúde mental, já que está psicologicamente abalada", afirmou.  

Sueli também recebeu apoio da representante do Sindicato dos Professores Municipais de Camaçari, Ana Paula Pithon, que repudiou a permanência do racismo nos espaços escolares.  

"Estamos aqui em total apoio nessa rede de aliança e solidariedade à professora, que é nossa colega. Sueli desenvolve um trabalho belíssimo com os alunos, e não podemos admitir, de maneira nenhuma, que essa chaga do racismo e do racismo religioso continue a se reverberar nos nossos espaços escolares, assim como na nossa sociedade", disse Ana, que também é professora da rede municipal há 19 anos.  


Foto: Farol da Bahia 

"Sueli é uma professora e mulher negra, referenciada, e não tem como ela negar sua religiosidade. Assim como nenhuma outra pessoa de religião negaria. As nossas vestes brancas, as nossas guias, as nossas contas são a nossa identidade, e não existe a possibilidade de nos despirmos daquilo que somos, dos nossos pertencimentos, para poder adentrar nas salas de aula", acrescentou em entrevista.  

Fortalecida pelo apoio, Sueli espera que as autoridades convoquem os pais dos alunos para prestarem esclarecimentos e que a Secretaria de Educação tome medidas cabíveis. "A medida não é tirar uma professora, mas saber o que pode ser feito, porque não sou atacada apenas pelas crianças. Também sou atacada pelos pais no momento em que vão à escola e dizem que as crianças não vão assistir à minha aula", desabafou.  

"A minha expectativa é que esses pais sejam chamados à responsabilidade e que compreendam que a lei é para ser cumprida. Em momento algum, tentei converter ninguém. O meu corpo é o meu direito, então as minhas contas, o meu vestido e o meu torço são direitos meus. Eles precisam orientar os filhos a respeitar, assim como eu respeito o direito deles. Eu preciso ser respeitada", finalizou.  


Foto: Farol da Bahia 

Em nota à reportagem, a Secretaria de Educação de Camaçari informou que já tomou conhecimento da denuncia e que a professora Sueli Santana foi acolhida, bem como os estudantes e familiares para apuração dos relatos, compreensão da situação e esclarecimentos e providências cabíveis. 

Veja a nota na íntegra

A Secretaria da Educação (Seduc) tomou conhecimento da denúncia nesta quinta-feira (21/11) e, imediatamente, procedeu com o acolhimento à professora Sueli Santana, bem como aos estudantes da Escola Municipal Rural Boa União e familiares. Iniciou, também, a apuração dos relatos, com o intuito de, por meio de oitiva com as partes envolvidas, buscar a completa compreensão da situação e, por conseguinte, os esclarecimentos, providências cabíveis e dissolução dos conflitos. A Seduc reitera seu compromisso com a valorização da diversidade e do respeito às diferenças, sejam elas relacionadas a crenças, gênero ou cor, repudiando qualquer forma de discriminação. Nesta sexta-feira (22/11), segue em diálogo com a comunidade escolar.

Confira o vídeo completo abaixo:

 

 

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