A Folha é senhora do espírito: Zé Félix, um dileto filho das Folhas

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A Folha é senhora do espírito: Zé Félix, um dileto filho das Folhas

O artigo “Inesquecíveis” de hoje é sobre uma pessoa que me faz muita falta: José Félix dos Santos, mais conhecido como Zé Félix, ou Zé de Ossain. Nascido em 19 de julho de 1965, Zé era filho de Nídia Maria Santos e descendia diretamente de uma das nobres famílias fundadora da Cidade de Ketu, na Nigéria – a família Axipá.

Bisneto de Maria Bibiana do Espírito Santo – Mãe Senhora e neto de Deoscóredes Maximiliano dos Santos – Mestre Didi, sacerdote-artista, Zé seguiu aquecendo a tradição da família de forma majestosa. Iniciou-se para o Orixá Ossain pelas mãos de Mãe Stella de Oxossi, passando a se chamar de EweTolú, que significa: a Folha é a senhora do espírito. Em Itaparica, no Ilê Agboulá, se iniciou no culto aos Ancestrais masculinos, pelas mãos de Domingos dos Santos, quando passou a ser chamando de Ojé Abigba’ewê – que, na minha tradução direta, significa: nascido da força das Folhas. Vale lembrar que esta interpretação surge de forma empírica, sem pesquisa.

Anos mais tarde, Zé se confirma Ogan de Iansã do Opô Afonjá, carregando o nome de Toyadê, que significa: chegou o representante de Iansã. José deixou algumas contribuições para o Opô Afonjá, a exemplo da Feira de Cultura Africana Afonjá. Iniciativa a qual tinha como objetivo levar entretenimento à comunidade do Afonjá e ao entorno do bairro de São Gonçalo do Retiro; além de fomentar a cultura e trazer fonte de renda para essas famílias. Nesta feira tinha de tudo: seminários levando conhecimento e informação; barracas com comidas típicas e artesanato; além de shows musicais. Zé também deixou registrado para a posteridade um livro de memórias em homenagem a sua bisavó pela passagem do seu centenário. Neste livro foi publicado um compilado de depoimentos onde pessoas que tiveram ao lado de Mãe Senhora conseguem nos transportar aos tempos áureos do Opô Afonjá.

Em 1980, seu avô – o Mestre Didi – funda o Ilê Axipá, casa de adoração aos Ancestrais masculinos – os Egungun. De maneira equilibrada, o Mestre divide as atribuições do Terreiro, colocando Zé como Otun Alagbá, ou seja: ele se torna o lado direito / segundo suplente de Genaldo Novaes, que segue até os dias de hoje como Alagbá – o chefe do Ilê Axipá. E o Osi – lado esquerdo / o terceiro suplente, José Sant’Anna (in memoriam). Este equilíbrio se dá pela representatividade familiar de cada um destes membros. Genaldo, representando Arsênio Ferreira dos Santos; José Félix, a família Axipá e José Sant’Anna, representando a família de Miguel Archanjo Barradas de Sant’Anna. Já o Mestre Didi, sumo sacerdote, representa o velho Marcos Theodoro Pimentel, responsável pelo culto de Egun no Brasil.

Zé teve três filhas, das quais falava com muito orgulho. Foi afilhado de Mãe Stella de Oxossi e morou durante muitos anos com minhas outras tias – Corintha, Bela e Milta – em nossa casa do Bonfim, na Península Itapagipana. Elas eram professoras do ensino fundamental e médio, além de serem professoras de catequese. Tia Corintha e tia Milta eram católicas fervorosas, o que tornou Zé coroinha da Igreja do Bonfim. Ele contava esse fato com muita graça.

Seu convívio com minhas tias fez com que nossos laços se atassem. Nós nos chamávamos de “parente”: “ôh meu parente!”. Era parente pra lá, parente pra cá. E, como todo bom parente, as brigas de família eram recorrentes. Sempre discutíamos sobre alguma coisa que divergíamos. Zé era um cara muito articulador. Ele se mostrava um grande lobista – título / adjetivo que ele mesmo se dava e substantivo que ele declarava ser. Lembro-me de um episódio onde o grupo de sacerdotes divergia de um determinado assunto. Zé comungava do mesmo pensamento que eu – até porque era o melhor caminho a ser tomado – o mais coerente. No entanto, éramos minoria e, mesmo ele tendo poder para definir a pauta em nosso favor, ele optou pelo grupo – atitude de um grande líder. Depois, em off, ele me justificoua sua decisão. Compreendi e respeitei a hierarquia, mas o meu instinto não aceitava. Minha reação era daquele irmão mais novo que, de birra, fazia provocações. Então, não perdia tempo para incitá-lo: “você sabe que estou certo, né? Ainda bem que você é ciente que tomou a decisão errada!”. Daí ele me olhava por cima dos óculos e, sem me dizer nada, pegava uma latinha de cerveja gelada e começava a passar na testa dizendo: “vou tomar uma pra não passar mal com tanto aperto de mente”. E ficava passando a latinha na testa, resmungando. No final, ríamos e nos entendíamos – como os bons parentes fazem. Ê saudade!

Antes do retorno definitivo às suas origens, José esteve na África e percorreu os mesmos caminhos que seu avô percorreu quando lá esteve pra conhecer sua origem. O Mestre Didi foi homenageado no festival de Badagry, cidade localizada em Lagos, na fronteira com o Benin. José Félix dos Santos, “meu parente”, partiu para o Orun aos quinze dias do mês de setembro de 2017, deixando uma enorme lacuna e uma saudade imensurável. 

Zé contribuiu bastante em minha caminhada como Ojé: hoje me chamo Ojé Abigba’ewê, nome que carrego com muito orgulho e honra.

Aqueles que fazem o mistério nunca morrem;

Os iniciados nunca se corrompem;

Os iniciados vão somente para Itunlá – lugar onde a vida se renova.

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