Na série “Inesquecíveis” de hoje, falarei sobre Antônio Alberico de Sant’Anna, mais conhecido por Obá Kakanfô. Nascido em 28 de janeiro de 1919, Kakanfô era filho de dona Alzira e Miguel ArchanjoBarradas de Sant’Anna, o Obá Aré do Opô Afonjá, que era considerado um homem rico pelos padrões daquela época – anos 30. Ascendeu economicamente como estivador, podendo, assim, dar boas condições de vida aos seus filhos. Antônio estudou no Ginásio São Salvador e, ainda na adolescência, foi iniciado por Mãe Anninha, se confirmando como Obá Kakanfô em 1936.
Filho de Logun Edé, Kakanfô tinha adoração por Iansã. Ele a travava como “minha Rainha” – sua paixão pela Santa era notada a cada gesto. Nas festas de Iansã do Opô Afonjá, era visível a sua devoção. Sentado ao lado da Iyalorixá, quando Iansã chegava, ele se prostrava diante Dela e, com a mão estendida começava a “dobrar língua”, falando em iorubá, língua que dominava com esmero.
Kakanfô foi Marinheiro de guerra, servindo por longos anos às Forças Armadas. Conheceu o mundo e aprendeu muitas línguas: inglês; francês;espanhol e até árabe. No entanto, o ioruba foi à língua que aprendeu durante a infância. Certa vez,ele contou que o velho Martiniano Eliseu do Bonfim, um de seus mestres, ensinou-lhe a rezar as orações católicas primeiro em ioruba, para depois aprender em português. Era lindo de ver tio Kakanfô falando com os Orixás. Eu me transportava à África ao ouvi-lo recitar os orikis – poemas.
Tio Kakanfô também descendia da extinta linhagem Tapa, Nação que cultua o Orixá Indakô. Seu pai, o velho Miguel, foi Zabá – mais alto título desta Nação,em um Terreiro sito no antigo bairro do “Gunokô”, que anos mais tarde aportuguesou-se passando a se chamar Bonocô (Vale do Bonocô) – mais um resquício das contribuições de África em nossa essência. Parte deste ritual acontece até os dias de hoje aqui no Opô Afonjá: no bambuzal este Orixá é cultuado. Gunokô é uma palavra oriunda da língua Nupê/Tapa, e significa: o grande espírito/ o grande pai.
Além de ser o Generalíssimo da corte de Xangô, Obá Kakanfô também era Ojé – Sacerdote do culto aos Ancestrais masculinos, os Egungun. Foi iniciado em Itaparica e tinha o nome de Ara Ojé – o Corpo de todos os Ojés. Tio Kakanfô foi um exímio professor. Gostava muito de ensinar. Tive a honra de conviver ao seu lado, aprendendo os fundamentos de Xangô. Kakanfô casou-se com dona Alaíde Sant'Anna, OyáDele e a Teobolá do Ilê Axé Opô Afonjá – aquela que acompanha os Obás de Xangô. Tiveram três filhos: Raquel, Surema e Antônio Sant’Anna. O Antônio,mais conhecido por Toinho Kakanfô (in memoriam) –que também foi um grande mestre, seguiu a trajetória da família. Ele era o Otun Obá Kakanfô(lado direito / 1° suplente) e também era Ojé de Itaparica, atendendo como Ojé Alakeji. Kakanfô e Alaíde chegaram a completar bodas de ouro. Hoje,tia Alaíde segue no auge de seus 101 anos; lúcida e ainda ativa na cozinha: todo 4 de dezembro faz – com suas próprias mãos – o caruru para os festejos da Iansã que foi herdada do velho Miguel.
E eu, que desde o tempo em que meu irmão ToinhoKakanfô me dava às honras de fazer as obrigações da família, hoje vivo a responsabilidade de prosseguir na mesma função, e sigo na confiança de tia Alaíde. Apesar da ausência física de meu irmão Toinho Kakanfô, com amor e dedicação faço tudo aos moldes do que pude aprender vendo o velho Kakanfô fazer e com meu Mestre Toinho.
Em 28 de abril de 2008, tio Kakanfô retornou para o encontro com seus Ancestrais, deixando uma lacuna imensurável no Candomblé da Bahia. Hoje o cargo de Kakanfô se encontra vago.
Salve o Generalíssimo.