Obá Kayodê: O Rei que trouxe alegria

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Obá Kayodê: O Rei que trouxe alegria

Nesta série – “Inesquecíveis”, não poderia deixar de falar em Elza Raimunda Nascimento e da sua importância em minha vida sacerdotal. Nascida em Gameleira na Ilha de Itaparica em 27 de setembro de 1940, Elza descendia do Terreiro de Babá Agboulá - casa de culto aos Ancestrais masculinos, os Egungun. Em 1949, por ordem de Babá Xaorô e de Babá Obá Erin (Egun do finado Eduardo Daniel de Paula), aos 09 anos de idade, Elza é trazida para o São Gonçalo do Retiro por sua mãe carnal, dona Flaviana Maria Bonfim, Ogun Tobi Ladê, filha de santo de Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora de Oxun, a terceira Ialorixá da dinastia Afonjá e, também, Iyá Egbé do Ilê Agboulá. Já em 1952, aos 12 anos de idade, Elza foi iniciada pelas mãos de Mãe Senhora, passando, então, a ser chamada de Obá Kayodê, nome que outrora pertenceu a minha tia-avó, Archanja de Azevedo Santos, que também tinha o título de Sobaloju – a olheira do Rei, na época de Mãe Anninha.

Elza começa a fazer parte de minha vida antes mesmo de eu nascer, sobretudo quando, em 29 de junho de 1979, Obá Kayodê – Xangô manifestado em Elza aponta para a barriga de minha mãe e diz que eu seria Dele. Tal afirmação causou espanto em dona Nivalda, pois ainda não se sabia o sexo daquele bebê abrigado no ventre materno. Um ano depois, em 29 de junho – no Abogun de Xangô, Kayodê me suspende como seu Ministro. Minha mãe conta que, na hora, ficou muito assustada e com medo, pois Xangô me pegou dos seus braços e – comigo na palma da mão – me apresentava ao público confirmando o que havia dito um ano antes. O relato de minha mãe me vem à mente imediatamente ao assistir uma cena do desenho animado “O Rei Leão”, quando Rafiki pega o pequeno Simba e o apresenta a todo o reino [risos].

Eu passei do dia de nascer e tive que ficar na incubadora. Fui um bebê de aproximadamente 6 quilos, o que me rendeu o apelido de “Elefantezinho”, ainda no hospital. Na verdade, o medo de minha mãe era que seu “elefantezinho” caísse, pois – com uma única mão, Xangô me carregava por todo o barracão dançando majestosamente ao lado de Iansã. Mas isso não iria acontecer, pois Xangô é um homem muito forte! 

Em junho de 1991, aos 11 anos de idade sou iniciado no Candomblé pelas mãos de minha tia e futura Mãe de Santo, Maria Stella de Azevedo Santos – Mãe Stella de Oxossi, Odé Kayodê. Já em 05 de julho do mesmo ano, numa sexta-feira, no barracão de festas, Ogodô – “qualidade” do Xangô de Elza, chamado de Obá Kayodê, grita meu nome pra que todos os presentes pudessem ouvir: OTUN OBÁ ABIODUN! Otun, porque eu era o primeiro suplente (lado direito) do velho Sinval da Costa Lima, que era o Obá Abiodun, confirmado por Mãe Senhora. O lado esquerdo – Osi Obá Abiodun permanecia vago. Uma enorme responsabilidade para um menino que ainda brincava de picula e subia em árvores. Hoje eu sou o terceiro Abiodun da história do Opô Afonjá.

Foram anos de convivência e aprendizado com minha filha querida – “filha minha”, como a chamava carinhosamente. A nossa relação era de pai e filha, no entanto, apesar dos seus anos de sacerdócio e conhecimento profundo dos fundamentos dos Orixás, Elza era uma mulher simples e muito humilde. Lembro de uma passagem onde ela procurou tia Stella para juntas fazerem certa magia, com o objetivo de ajudar uma pessoa que estava com problemas de saúde. Tia Stella, então, pediu que me procurasse, pois tinha me passado tal ensinamento. Então, juntos, trocamos os “Axés”. O resultado foi tão satisfatório, que ela voltou a me procurar para ajudar outra pessoa que havia lhe procurado. Me senti tão lisonjeado, pois uma mulher com aquela idade de iniciada e com o conhecimento que tinha me procurar para juntos trocarmos essa boa energia e esse Axé, é motivo de grande envaidecimento.  Os anos passaram e em 2016, Elza funda o Ilê Axé Opô Ogodô, localizado em Areias, na cidade de Camaçari, Região Metropolitana de Salvador, onde seguia aquecendo a tradição de sua casa matriz, o Opô Afonjá.

Para nossa tristeza, em 10 de janeiro de 2022, aproximadamente às 02h da manhã, minha filha Elza segue para o Orun, deixando uma lacuna imensurável. Um espaço que jamais será preenchido, pois seu coração era gigantesco, porque – além de confortar os seus, ainda cabiam muitos outros que, porventura, chegassem. Elza viveu uma vida de muitas batalhas e grandes vitórias. Uma vida intensa, cheia de Axé e de muito amor. Sua existência ficará marcada naqueles que a conheceram, e por onde ela passou. Elza deixa um legado colossal, a partir do qual seus filhos, netos e bisnetos continuarão seguindo, tornando-a viva em sua essência.

Kayodê ainda vive na essência da filosofia do que é Xangô, e por isso suas filhas Lêda de Oxun e Rose de Iansã continuam a história de Elza, juntamente aos seus outros irmãos, todos aquecendo a tradição de Xangô.

Salve Obá Kayodê!
 

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