No artigo anterior, comecei a abordar esse tema, e agora continuo falando sobre dois problemas: a manipulação e o alinhamento com a estratégia.
Na realidade, um dos problemas diz respeito não ao indicador em sim, mas à manipulação dele. Cito aqui alguns exemplos com a colaboração de profissionais da prática e da imprensa.
(1) Bruna Silva relata o caso da empresa que criou um indicador para medir e controlar quem não atendia o telefone em até dois toques. O resultado foi que muitos funcionários acabaram tirando o telefone do gancho para evitar serem “pegos” pelo indicador. O argumento correto era que, por falta de comunicação, os ramais recebiam muitas ligações indevidas.
(2) Sobre o clássico indicador “faturamento por funcionário”, ou nas multinacionais o ”headcount”, um controller menciona o caso de uma empresa que implantou esse indicador, e a diretoria se assustou com uma subsidiária que tinha um índice muito fora da curva. Para melhor o seu índice, essa subsidiária acabou terceirizando algumas funções e, com isso, não tinha oficialmente headcount, aumentando o indicador artificialmente, mas piorando os gastos.
(3) Em uma matéria da Exame escrita pela jornalista Tatiana Bautzer, há o relato sobre um caso de uma empresa que inflava o faturamento e consequentemente o EBITDA ao incluir encargos financeiros no preço de venda. Depois, ela dava o desconto quando o cliente pagasse o boleto, contabilizando essa diferença como despesa financeira, portanto depois do EBITDA. A rigor se adotado o ajuste a valor presente, esse efeito seria nulo. O motivo era um acordo de compra do controle baseado em múltiplo EBITDA (veja mais clicando na referência).
(4) Outra manipulação ocorre no indicador Dívida Líquida/EBITDA, o qual é muito utilizado como covenants (que é quando o credor estabelece que o devedor não pode ultrapassar um determinado índice, sob pena de ter a dívida vencida e/ou aumento da taxa de juros). Nesse caso, as iniciativas para gerenciar esse índice passam principalmente por mexer no valor da dívida líquida: (a) antecipar recebíveis sem direito de regresso, diminuindo o saldo de contas a receber e aumentando o caixa, diminuindo a dívida líquida; (b) enviando um e-mail no final de ano aos fornecedores postergando o pagamento junto com os votos de boas festas; (c) fazendo a operação de fornecedores risco sacado, aumentando o prazo normalmente negociado com os fornecedores e com inclusão de juros embutidos, o que na essência se configuraria como uma dívida com bancos, e portanto deveria ser classificado como “empréstimos”, aumentando a dívida líquida e piorando o indicador; (d) parcelando impostos.
(5) O próprio EBITDA pode ser aumentado com a empresa internalizando serviços ao invés de terceirizá-los, ou produzindo insumos em vez de comprá-los, caso os preços dos insumos tenham um grande componente de depreciação. Com isso, as despesas e o custos operacionais desembolsáveis são reduzidos, aumentando o EBITDA. Também nunca é demais dizer que essa conta tem que ser feita, pois geralmente terceirizados têm a vantagem do ganho de escala e da especialização.
Agora temos o problema do alinhamento:
(1) Essa me foi contada em uma aula quando perguntei aos participantes se os vendedores que mais contribuem para o lucro da empresa são os que ganham mais comissão. Geralmente a resposta é não, e isso ocorre pois, nesse caso, a comissão é baseada no faturamento, e se houver alguma flexibilidade para o vendedor negociar desconto, a maior comissão não necessariamente reflete maior margem. Um dos participantes contou que conseguiu colocar meta de margem até para representante comercial, o que eu aplaudi na hora. Mas posteriormente alguns vendedores começaram a represar alguns pedidos que iriam “puxar” a margem para baixo, ou seja, a satisfação do cliente pode ter sido prejudicada nesse caso.
(2) Um proprietário de duas lojas de varejo me conta que está refletindo se coloca o indicador da margem operacional da loja, ou ainda a lucratividade de clientes e também o NPS (Net Promoter Score – um índice de satisfação) para os vendedores. O risco aqui é que o vendedor não dê o mesmo tratamento a um cliente com uma pequena compra por conta da venda e do lucro serem baixos, embora com o NPS, o vendedor será estimulado a atender bem um cliente mesmo que seja uma pequena compra.
(3) Os problemas mais básicos de alinhamento acontecem por não escolher o indicador mais compatível com o objetivo. Parece óbvio, mas isso faz a diferença em termos de desempenho, pois numa pesquisa, eu e meus colegas (Oyadomari et al, 2023), identificamos que o alinhamento tem maior importância para o desempenho que alguns controles gerenciais.
Coloco aqui duas sugestões:
A primeira é que cada indicador tenha sempre uma definição em termos de princípios e objetivos. Por exemplo, no caso do headcount, o que interessa é o conceito pessoa - se é uma terceirizada ou empregada, tanto faz, conta como uma pessoa. A ideia é trabalhar sempre na essência do indicador, ou seja, declarando isso sempre quando se desenhar um indicador, minimizando, assim, esses desvios. Por exemplo: incluir contas a pagar e impostos em atraso adicionando a dívida líquida também poderia evitar manipulações.
A segunda é para as empresas que usam apenas um indicador como gatilho para bônus ou mesmo como covenants. O melhor é nunca usar apenas um indicador, mas sempre colocar dois ou mais, talvez cinco no máximo, e o ideal é que estes sejam conflitantes para balancear as diferentes dimensões. Por exemplo, indicadores de vendas, margem e satisfação balanceariam a busca por market-share; de eficiência e também da satisfação do cliente, que são indicadores que sinalizam o longo prazo; já EBITDA em valor, “EVA” – que é o lucro econômico após remunerar o custo de capital próprio e algum indicador não monetário estariam balanceando a geração potencial de caixa de curto prazo; criação de um valor de curto, além de um não monetário, que reflita o desempenho no longo prazo. Indicadores de alavancagem também poderiam ser incluídos para mitigar o risco, além de indicadores ambientais. No caso dos covenants além da dívida líquida, poderia ser utilizado o endividamento geral o qual considera todos os passivos. Também é importante que o indicador seja inteligível e que de alguma forma o avaliado sobre aquele indicador possa influenciar o indicador por iniciativas.
A minha recomendação final é sempre usar a mesma regra para os pneus do seu carro: deixe os indicadores sempre bem alinhados e balanceados.
Se você tiver alguma sugestão e/ou crítica, por favor, escreva para mim no e-mail [email protected]. Muito Obrigado.
Referências:
https://exame.com/revista-exame/tanta-pressa-para-nada/
https://www.faroldabahia.com/coluna/a-imperfeicao-dos-indicadores-de-desempenho-parte-1
Oyadomari, J. C. T., Bido, D. D. S., Mendonça Neto, O. R. D., Aguiar, A. B. D., & Dultra-de-Lima, R. G. (2023). Relationships among strategically aligned performance indicators, controls, and performance. Revista Contabilidade & Financas, 34 (91), e1618. https://www.scielo.br/j/rcf/a/bzzZP7szTdPZLZCvNZZVJjG/?format=pdf&lang=pt
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José Carlos Oyadomari é Professor Doutor em Controladoria, atua pelo Insper e Mackenzie. Consultor do MA Institute. Conselheiro da HVAR Consulting. Co-autor do livro Contabilidade Gerencial – Gen Editora.