Na série “Inesquecíveis” de hoje, vou falar um pouco sobre uma mulher preta que dedicou sua vida a cuidar das coisas de Xangô e, como consequência, ainda ajudava com todo o carinho e dedicação de uma grande mãe, todos aqueles que a procuravam. Estou falando de Valdete Ribeiro da Silva, filha de Auzira Pimentel Ribeiro e Geminiano Pimentel Ribeiro, tia Detinha – como era carinhosamente chamada, nasceu em 09 de julho de 1928, na Ladeira da Preguiça n° 28 – Centro de Salvador.
Iniciada para o Orixá Xangô por sua tia carnal, Ondina Valéria Pimentel, Mãe Ondina, que foi a quarta Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, entre 1968 e 1975. Tia Detinha era uma exímia e dedicada filha de santo; atendia pelo nome de Obá Gesi. Além de carregar no sangue a bagagem da sua ancestralidade – da grande família Pimentel, tia Detinha tinha muito amor pelos Orixás, sobretudo, aquele que regia seu Ori – Cabeça, o poderoso Kabiêsi!
A partir do aprendizado através da oralidade, tia Detinha tinha a vocação em nos contar histórias – Itans, os quais sempre serviam como ensinamentos, pois além do compartilhamento do saber, ela preservava de forma orgânica a tradição dos Ancestrais. Para além destes ensinamentos, os seus aconselhamentos também faziam parte desta Educação-Nagô, onde os mais velhos ainda têm a obrigação de educar a nova geração.
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Tia Detinha era uma excelente artesã. Confeccionava bonecas de pano que representavam os Orixás – todas eram feitas com tecidos pretos, fazendo referência à cor de nossas peles. Sua arte viajou o mundo! Os seus ensinamentos resultaram numa cartilha de contos de sua própria autoria, somados a outros verídicos e contos recontados. Tinha o título de Akọ̀wé Ṣángò, tradução literal: A Secretária de Xangô. Às quartas-feiras, ela só saia da casa de Xangô quando acendia a vela por volta das 17h. O Palácio do Rei sempre estava de portas abertas, mesmo quando Mãe Stella não estava mais atendendo ninguém. Em outros dias da semana era fácil encontrá-la no “Carrapicho” – uma pequena loja criada por Mãe Stella para vender artigos do próprio Terreiro. Já no período do ciclo das festas de Xangô, era ela quem administrava tudo, obviamente com ajuda dos outros irmãos, no entanto, seu título pesava nas decisões. Até os almoços fora dos dias de festa, porém, dentro do período dos 12 dias de Xangô, era ela quem organizava conjuntamente a outras irmãs: minha mãe – a Ajoiê Nivalda Azevedo; Obá Terê e Elza de Xangô – minha filha, as duas últimas, in memoriam.
Na noite de 02 de março de 2014, em pleno final do verão baiano, uma chuva torrencial deságua em Salvador: trovões e relâmpagos estouravam, riscavam e iluminavam o escuro céu daquela noite. Tal fenômeno deixou-nos apreensivos, pois não é costume tanta chuva neste período do ano. Ao alvorecer, a triste notícia da partida de tia Detinha chega ao Opô Afonjá. Estava explicado o motivo de tanta chuva, raios e trovões. Olorun estava preparando os Céus para a chegada desta ilustre filha de Xangô. Naquela noite, o Opô Afonjá perdia uma enciclopédia de saberes míticos e místicos, e Xangô, a sua nobre Secretária.
Quem ouviu os seus ensinamentos e teve seu colo como refúgio que oferecia paz, tranquilidade e sossego por meio de palavras, com certeza teve bons momentos ao lado desta mulher de Axé.
Tia Detinha deixou um enorme vazio para aqueles que a tinham como abrigo.