A anistia, desde os tempos gregos de Sólon, em meados de 500 antes de Cristo, representa o esquecimento, que evita a guerra civil e apaga o ódio remanescente no coração dos homens. É para isso que ela serve. De nada resultará seus efeitos se não atentar inteiramente para este fim superior e nobre, se não passar uma borracha nos acontecimentos que colocaram a sociedade em um conflito dilacerador da paz e do entendimento político.
Nosso grande jurista, Rui Barbosa, compreendia essa dimensão da anistia e já o proclamava desde os idos de 1892, quando suas palavras ecoaram como veredicto definitivo: “a anistia não é senão o olvido absoluto do passado. Nem a história, nem o direito, nem a política a admitem senão como preparatória a uma nova ordem de cousas”.
Se não servir para uma nova ordem de coisas, não serve para nada, senão para aguçar ainda mais a confronto entre os brasileiros.
Para o advogado baiano, a anistia não apenas visava homens e supostos crimes por eles cometidos, mas abrangia a totalidade da vida social e político da comunidade nacional, de forma que fosse um instrumento destinado a restauração da ordem constitucional, profundamente afetada pelos desmandos pretéritos. E mais, o Senador e teórico da primeira república considerava que a anistia, uma vez concedida, era irrevogável, irrenunciável, perpétua e irreformável.
Os efeitos do perdão teriam que ser abrangentes, a fim de conter sob suas asas reformadoras todos que sofreram as penas dos crimes que a eles foram imputados, pois só assim poderiam alcançar os objetivos colimados, pacificar o país e conduzi-lo ao pleno gozo dos direitos políticos suspensos.
Se, portanto, assim não fosse de nada adiantaria os esforços para conceder uma anistia parcial, que não levassem efetivamente à exculpação pretendida e consequente à retomada das liberdades e dos direitos políticos. A anistia, concebida desta maneira, é obra de estadistas e de representantes da mais elevada sabedoria política. Não é tarefa para inescrupulosos e serviçais de facções políticas animadas pela vingança e pelo ódio.
Em seu artigo “Amnistia Inversa”, o já citado Rui Barbosa, não hesita em dizer que este instituto provindo dos gregos e dos romanos, quer dizer fazer o contrário do que foi feito, ou seja, invés das penalidades, o perdão, invés dos confrontos, o diálogo futuro e a construção de uma pátria comum. Isto não significa o fim das controvérsias políticas, mas o restabelecimento do império da lei e da ordem, de modo que o jogo político se processe num ambiente de igualdade de armas, sob a regência de uma Constituição.
A anistia é tão restauradora que, somente através dela, a nação pode expressar o seu projeto de futuro, desenhar os novos caminhos que pretende trilhar, com liberdade de expressão e efetivo poder decisório, escolhendo as melhores e mais indicadas soluções para os graves problemas que enfrenta.
O que vimos, desolados e entristecidos com as recentes declarações do Relator do projeto de anistia, designado pelo presidente da Câmara dos Deputados, foi um rosário de ameaças e restrições. Presumivelmente, o que teremos é um novo round de um pugilato interminável, no qual se enfrentarão as liberdades e o terror.
Na linguagem poética de Miguel Torga: “liberdade, que estais em mim, santificado seja o vosso nome”!