A Lei de Cotas completa dez anos, certamente, ainda, com muitas críticas e ataques, mesmo que tenham diminuído. Essa lei reserva ao menos metade das vagas no ensino superior federal para alunos, pretos, pardos e indígenas egressos do ensino público. Apesar de ter triplicado a presença de negros nas universidades a medida tem enfrentado muitas dificuldades para a sua plena implementação, por um motivo muito, digamos, peculiar à “cidadania” de parte da população brasileira: a fraude. Fraudes na autodeclaração dificultaram o acesso à cota por parte de estudantes negros, e as universidades precisaram implementar comissões de heteroidentificação racial para coibi-las. Com uma revisão da política prevista para este ano, entidades e educadores defendem que as cotas sejam prorrogadas, pois faltam dados para uma análise dos impactos da lei ao longo destes 10 anos.
O número de ingresso nas universidades federais por pretos foi de 13% para 38%, conforme levantamento de diversos centros de pesquisa, mas ainda é um número pouco, no comparativo com o percentual populacional brasileiro, haja vista que o percentual de negros, pardos e índios da nossa população é de 57,3%, segundo o PNAD/IBGE 2019.
Um dos pontos que muitos levantam contra o instituto das cotas entendo, de logo, equivocadamente, é que a adoção de cotas no ensino superior levaria, selecionaria alunos não preparados para a universidade, desconsideraria seu processo de seleção meritocrático e poderia trazer como consequência a redução da qualidade da instituição. Os dados levantados no contexto da Unesp, contudo, desmentem os argumentos. Em 2020, um estudo conduzido por professores da Unesp coletou dados de mais de 30 mil alunos (cotistas e não cotistas) entre os anos de 2014 e 2017, para avaliar se houve alguma diferença de desempenho acadêmico ou de frequência entre alunos cotistas e não cotistas. A conclusão principal é que não há diferenças relevantes entre os dois grupos. O resultado coincide com outras pesquisas sobre o tema.
Infelizmente, a desconsideração desta importante ferramenta de reparação nasce, ao meu sentir, de uma espécie de egoísmo social, onde se fita os interesses pessoais, familiares de brasileiros que se sentem prejudicados pelo instituto das cotas, não se dando conta que o Brasil foi o país mais escravagista do mundo e mais demorou para abolição desta forma abominável de subjugação de um ser humano por outro, ainda que saibamos que este processo prossegue, de forma velada ou mesma escancarada. Sempre há notícias nas mídias sobre “trabalho análogo à escravidão”. Está no escopo da lei a sua revisão, que seja feita para apenamento forte dos fraudadores, mas manutenção da reparação até quando for necessário.