Ebó: limpeza do corpo e da alma

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Ebó: limpeza do corpo e da alma

Assim como os outros artigos, este também foi escrito a partir do meu olhar como integrante vivente da religião, sobretudo, como ativista na defesa e preservação do legado Ancestral.

O ato do Ẹbọ, que se traduz em tudo aquilo que fazemos para os Orixás, muitas vezes é depreciado de forma agressiva, quando visto dos portões pra fora do Terreiro. No entanto, todos conhecemos a cultura do brasileiro em desfazer-se de materiais sólidos: o descarte é – quase sempre feito de forma irresponsável. Modificar hábitos e certas ideias é uma árdua missão, por vezes, impossível. Aqui no Opô Afonjá, uma vez no mês - no dia respectivo de cada Orixá - os filhos daquele Santo se reúnem para fazer a limpeza da casa e de tudo aquilo que envolva assepsia, deixando o local saudável e harmonioso. Assim também nos comportamos da porteira pra fora. Mas nem todo mundo agi igual. Esta atitude também deveria acontecer fora dos Terreiros quando formos arriar as nossas oferendas. Sejam essas feitas nos rios; mares; estradas; encruzilhadas ou matas: devemos sempre nos atentar a determinados aspectos, sobretudo, com a natureza.

Aqui em Salvador, os locais de mato para fazermos nossas limpezas de corpo estão cada dia mais escassos. Os rios, então, desapareceram de forma absurda. As grandes construtoras seguem incansavelmente destruindo a natureza, e este impacto também nos afeta. Os poucos locais aos quais ainda temos acesso, não existem certos cuidados em expor o que está sendo oferecido, deixando aquela oferenda à margem do desrespeito e desvalorização. Eu sei e compreendo que existem “missões” que rigorosamente devem ser cumpridas e entregues em locais bem peculiares, como em via pública e locais de grande movimento. Mas, neste exemplo, cada caso é um caso! No entanto, acredito que se bem articulado, podemos ter êxito nos Ebós em todo o seu contexto.

Certa feita no Rio de Janeiro, num local chamado Floresta da Tijuca - onde normalmente faço minhas “macumbas”, fiquei envergonhado com o que vi. Estava acompanhado de um consulente que iria fazer um Ebó e a quantidade de oferendas espalhadas com materiais sólidos era absurda: balaios; alguidares; quartinhas; louças; velas queimadas – que podem, inclusive, causar um grande desastre ambiental – estavam todos deixados pra trás. Além do acúmulo de água parada nestes recipientes, formando grandes criadouros de mosquitos, o que ocasiona a proliferação de doença – dengue, zika e chikungunya. Fora a quantidade de lixo ali encontrado: eram garrafas e sacos plásticos; bitucas de cigarro; caixas de papelão; garrafas e latas de cerveja... Um verdadeiro lixão! Desta vez, por conta do tempo, esse Ebó teve que ser feito por lá mesmo. Mas antes, tive que preparar o terreno. Catei alguns lixos ao redor e pus numa daquelas caixas de papelão, para descartar em local apropriado quando saísse de lá. Então, debaixo de uma linda e frondosa árvore, à beira do rio corrente e ao lado de uma grande pedra, fizemos o que foi designado. Pensem num lugar lindo onde a sujeira tirava todo o brilho do local. 

Quando deixamos grandes oferendas na rua, principalmente em via pública, o serviço de ordem pública faz a retirada daquela oferenda de qualquer modo, jogando no lixo o que foi feito com o objetivo de “limpeza”. Com isso, será que irá surtir o efeito desejado? Como as boas energias estarão presentes em local tão insalubre? Temos que analisar bem o local onde colocar as nossas oferendas. Em nossa tradição, o Ebó é para limpeza do corpo e da alma. O Ebó, a depender das circunstâncias, servirá para que os nossos caminhos estejam limpos e sem obstáculos. Então, não posso deixar sujo o local onde as boas energias se fazem presentes, haja vista que outros irmãos que também fazem uso daquele local, necessitam do espaço limpo e preservado para que, assim, a magia aconteça.

Normalmente os Ebós são com elementos biodegradáveis. Portanto, devem ser feitos num local de mato, garantindo a certeza de que a Terra irá comer aqueles ingredientes. Ebós em maiores proporções podem ser colocados mais pra dentro da mata ou, em casos extremos, enterrar seria uma boa solução, considerando que no Candomblé a Terra é um elemento sagrado e que faz parte da dinâmica cosmológica.

Então, meus caros irmãos, estas linhas nada mais são que um pedido para ficarmos atentos aos nossos atos sacerdotais, para que aqueles que desconhecem os propósitos daquela galinha morta na encruzilhada não maculem ou demonizem a nossa Fé.

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