Ilê Axé Opô Afonjá: as festas na roça

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Ilê Axé Opô Afonjá: as festas na roça

No dia de Corpus Christi - festa do calendário católico - acontece aqui na roça a festa de Oxossi. Por vezes, este dia cai em meses diferentes. Tem anos, inclusive, que acontece no mês de maio, outras vezes em junho. Pois bem: quando me refiro à “roça”, quero dizer Terreiro. Aqui na Bahia, o termo é muito utilizado pelo povo do Candomblé para se referir aos Terreiros, onde, costumamos dizer: “hoje eu vou pra roça; hoje tem festa na roça.”

As festas do Opô Afonjá seguem um ciclo desde 1910. Começa com Oxossi no dia de Corpus Christi, que sempre cai numa quinta-feira independentemente do mês. Três dias depois acontece o Itá (terceiro dia da festa) e o último dia do ciclo de Oxossi se completa no sétimo dia, que chamamos de Ejê - os sete dias de Oxossi. Durante esse ciclo, os filhos da casa que não moram dentro da roça e, até aqueles que moram em outros Estados, vêm e passam essa temporada dentro do Axé. Quando terminam os sete dias, todos voltam a sua vida normal. Entretanto, em alguns anos, acontece de o dia de Corpus Christi cair no mês de junho, então, as atividades se emendam com o ciclo de Xangô que começa em 23 de junho.

Este ciclo acontece em datas fixas: em 23 de junho, a fogueira de Ayrá e, em 28 de junho, a fogueira de Afonjá, o patrono da casa. No dia seguinte, a grande festa do Abôgun, quando Xangô retorna da guerra trazendo consigo o fogo da vitória. Guerra esta que acontece no domingo após a quarta-feira de cinzas, com o Olorogun – vide artigos: “A Quaresma e o Olorogun” e “A fogueira de Xangô”.

Xangô é um Orixá vivo: gosta muito de festa e de comer bem. Com isso, a partir do dia 29 de junho até 11 de julho, a roça fica sempre em grande movimento. As terras de Afonjá em São Gonçalo do Retiro; parece até uma panela de pressão pronta a explodir de tantas alegrias e boas energias. Em 02 e 05 de julho Xangô ainda é festa. Sempre com muita comida, bebida, alegria e agradecimentos. Já no dia 11 de julho, Xangô faz uma majestosa festa em homenagem a sua mãe, Iyámassê. Carregada pelos Obás – os Ministros de Xangô em uma charola ornamentada com muitas flores e tecidos coloridos, Iyámassê é levada do Palácio – casa de Xangô até o barracão de festas, pra que todos possam reverenciá-la – vide o artigo: “Os doze dias de Xangô”.

Lembro-me de Obá Kakanfô - in memorian, o Generalíssimo do exército do Rei recitando orikis – poemas ritualísticos falados em Ioruba, tudo em homenagem a Afonjá. A mão esquerda erguida em forma de reverência recitava os orikis na língua que dominava com muita elegância e fervor e, na mão direita o xeré – chocalho de metal que serve para invocação de Xangô.

Depois do dia 11 de julho, a roça fica sem festa até o final de setembro. Num domingo que antecede as Águas de Oxalá, acontecem as homenagens aos Ancestrais da casa. De Mãe Anninha até o mais novo irmão ou irmã que partiu desta vida são lembrados. Ao entardecer, após as comidas estarem prontas, os filhos de santo sobem até a frente do Ilê Ibó – casa de adoração aos Ancestrais e, os Ojés - sacerdotes do culto aos Egungun, dão início à cerimônia. Não é sempre que acontece, no entanto, tem vezes de algum Egun agbá – Ancestral bem antigo, aparecer para trazer os recados, transmitir seu Axé e fazer um pequeno xirê (festa), onde todos cantam e batem palmas, numa energia só.

Após o domingo em homenagem aos Ancestrais, na madrugada de quinta pra sexta, acontece as Águas de Oxalá. Diferente do ciclo de Xangô que acontece em datas fixas – 29 de junho; 02; 05 e 11 de julho, as festas dos demais Orixás acontecem sempre no mesmo mês e na mesma semana. E assim como o ciclo de Oxossi se estende por sete dias e, o de Xangô por doze, o ciclo de Oxalá dura dezesseis. Portanto, durante este ciclo todos os filhos têm por obrigação usar branco e abster-se do azeite de dendê, em respeito ao tabu de Oxalá. Nada daquele acarajé no final de semana! Nesta obrigação, Oxalá sai de sua casa e é cuidado pelos filhos, com o objetivo da paz e equilíbrio. Todo este ritual é baseado em um Itan – história Ancestral. Depois das Águas de Oxalá, durante três domingos subseqüentes acontecem às festas do primeiro, segundo e terceiro domingo de Oxalá, em regozijo a todo sacrifício feito.

Após o último domingo de Oxalá, já pelo meado de outubro, numa segunda-feira, é a vez de Exu ser louvado. Aí é chegado o momento de todos os que fizeram o jejum do dendê se esbaldarem. Durante o dia, após as obrigações internas, alguns filhos de santo se reúnem e fazem uma grande feijoada, regada à cerveja e samba de roda, onde a animação se concentra no recinto. Neste ínterim, a comida de Axé é preparada e a cozinha do Terreiro começa a ficar perfumada de dendê.  Aqui na roça não existe ninguém iniciado para Exu: Contanto, que Ele já vive de forma intrínseca em cada um de nós, e isso se faz suficiente para sua manifestação. Durante sua festa, os Orixás que se apresentam são aqueles que chamamos de “Orixás de rua”, onde seus irmãos: Ogun, Omolú e Oxossi fazem as honras. Às vezes, Iansã nos dá o privilégio de sua presença.

Na mesma semana, numa quarta-feira, é o dia da festa de Xangô. Por ser o patrono do Terreiro, nada mais justo que no meio do ciclo das festas dos outros Orixás, Ele seja mais uma vez reverenciado, até porque - como já disse: Xangô adora uma festa, além de beber e comer bem. No domingo seguinte é a festa das Ayabás. Simultaneamente, Iemanjá, Nanã, Oxun, Iansã, Obá e Ewá são as homenageadas. No dia seguinte, na segunda-feira, é a festa de Ogun. Essa é uma das festas mais esperadas e, muita gente vem de longe pra vê-lo.

Nesta segunda, os filhos - homens de Ogun - entram no mato atrás de folhas litúrgicas, em especial o mariwô. Essa folha é extraída do dendezeiro e é utilizada na vestimenta de Ogun, pois como diz a canção: “Ogun não tem roupa; a sua roupa é feita do mariwô”. Esta folha que também é utilizada para demarcar territórios é pregada nas portas e janelas das casas do Terreiro, cuja finalidade é o bloqueio de energias indesejáveis. Ah! Já estava me esquecendo da alvorada. Este pequeno ritual que antecede todo o movimento que acontece durante o dia, é o prenúncio da chegada de Ogun. Por volta das 4h da manhã, Atabaques e fogos anunciam a sua chegada. Em alguns anos, contratamos clarinistas que como num quartel marca o início da jornada de trabalho ao soar os clarins. Vale lembrar que nem todas as alvoradas têm fogos e, só na de Ogun tem os clarins.
Ainda falando de Ogun – o meu Orixá de cabeça, lembro-me com alegria e muita saudade de uma dessas alvoradas. Neste dia em específico, foram tantos fogos que algo inusitado aconteceu. Alguns destes foguetes eram tão potentes que foi necessário cavar buracos no chão pra fincá-los. Estes rojões explodiam com tanta força, que quando subiam ecoavam como um tiro seco, que até pareciam tiros de canhão. Foram alguns infinitos minutos de estouros no céu, onde tempos depois, estaciona na porta do Opô Afonjá um caminhão e dois jipes do Exército do 19° Batalhão de Caçadores – 19 BC, vizinhos nosso – que, carregados de soldados com rostos pintados e armas em punho vieram apurar o motivo de tantos “tiros de canhão”. Literalmente estavam prontos pra guerra! Explicado o motivo de tantos fogos, tudo terminou bem. Ao final da alvorada, um saboroso cozido feito por minha mãe Nivalda, e, que já se tornou tradição das alvoradas de Ogun, é servido aos “combatentes”. Coisas de Ogun. Ogun yê!

Na quarta-feira, três dias após a festa de Ogun, acontece outra grande festa que muitos vêm de longe pra assistir: é a festa de Iansã. O barracão fica inacessível. Essa festa reúne uma quantidade imensa de pessoas dentro e fora do barracão. Aqui na roça temos uma tradição onde os Ojés fazem uma grande homenagem pra Ela. Afinal de contas Iansã é mãe dos Eguns e a Rainha dos Ojés. Quando Oyá - Iansã está pronta com sua roupa de gala, os Ojés entram no barracão cantando e pedindo licença. Todos de mariwô e ixan na mão - bastão que conduz os Eguns, os Ojés se ajoelham e saúdam Oyá. Após a saudação, eles se levantam e entregam os ixans e mariwôs a Ela em sinal de respeito e devoção. Em seguida se é jogado pétalas de rosa em sua cabeça em demonstração de amor. Ogun, por ter sido o primeiro Ojé e, por ser um de suas paixões, sempre se faz presente neste dia, visto que, a quarta-feira de Iansã é o Itá de Ogun – terceiro dia de sua festa.

Já no final de outubro, num domingo, é a vez de Oxun ser saudada. A festa é embalada pelo ritmo mais contagiante do candomblé, o ijexá. Essa festa é menos fervorosa que a de Oyá, porém, muito bonita e cheia de magia. No dia seguinte, é a vez de Omolu. Nessa festa, sua mãe Nanã e seus irmãos Oxumarê e Ewá também são homenageados. Um grande banquete é ofertado, onde todos comem e bebem a céu aberto, pois o objetivo de Omolu é alimentar toda a comunidade e, por este motivo a comida é ofertada fora da casa, pois, o espaço para comportar tanta gente é maior. Esta cerimônia é conhecida como Olubajé.

No mês de novembro, temos o domingo de Iemanjá. Muita gente acha que em 02 de fevereiro tem festa por aqui. A festa do dia 02 faz parte do calendário das festas Populares da Bahia, assim como a Lavagem do Bonfim. Estas festas não têm nada a ver com o calendário litúrgico – pelo menos aqui no Opô Afonjá. Pois bem: a festa de Iemanjá é de uma suavidade e delicadeza que nos faz lembrar o colo de mãe: Odô Iyá! 

Seguindo o ciclo, na época de tia Stella – Mãe Stella de Oxossi, após a festa de Iemanjá, numa quinta-feira, acontecia à festa do Pai de Santo, Oxossi - Odé Kayodê. Neste dia, uma mesa com frutas era colocada no barracão e, após a cerimônia, era distribuída com todos os presentes. Hoje, com Mãe Ana no trono, a festa de Oxossi foi substituída por outra festa de Xangô que acontece na quarta-feira, após Iemanjá. Como se Ele não gostasse de festa! [risos]. Rei é Rei! Daí então, seguimos com a festa do Ipeté, que é outra festa pra Oxun, mas que Iansã também se faz presente. O Ipeté é uma comida feita com inhame pilado, camarão seco e dendê, onde todos os presentes se deliciam. Catorze dias após o Olubajé, acontece o “ọjọ mẹrinla Omolu – os catorze dias de Omolu”, onde toda a família “Iji” – prefixo do nome dado aos filhos de Omolu – vem encerrar o ciclo das festas com o famoso “banho de pipoca”, para que até o fim do ano tenhamos boa saúde e que no ano vindouro estejamos firmes e fortes para começar tudo de novo no dia de Corpus Christi.

No entanto, o que se deu por encerrado foi às festividades abertas ao público: as festas de barracão. Na terça-feira, após os 14 dias de Omolu, acontece um ritual fora dos portões do Opô Afonjá: é o Presente nas Águas, aonde as filhas de Iemanjá e Oxun, juntamente com a Iyalorixá; a Iyákekerê; as mais velhas e alguns outros irmãos vão até a Baía de Todos os Santos depositarem o Presente. Este é outro momento singular. Momentos memoráveis que aconteceram durante a minha trajetória e, que com certeza outros ainda hão de acontecer. A partir daí, se dá por encerrado o ciclo de festas do Opô Afonjá.

Outras obrigações que acontecem fora do calendário litúrgico são as iniciações de neófitos; obrigações de 03 ou 07 anos de iniciação, às quartas-feiras do Amalá de Xangô – conseguinte de atendimento aos consulentes ou quando infelizmente chega o momento da partida definitiva, que é quando acontece o ritual de Axexê.

CALENDÁRIO DE FESTAS 2023  

ILÊ AXÉ OPÔ AFONJÁ 

OUTUBRO 

01/10 - 1° DOMINGO DE OXALÁ 

08/10 - 2° DOMINGO DE OXALÁ 

15/10 - 3° DOMINGO DE OXALÁ 

16/10 - SEGUNDA-FEIRA DE EXU 

18/10 - QUARTA-FEIRA DE XANGÔ 

22/10 - DOMINGO DAS AYABÁS 

23/10 - SEGUNDA-FEIRA DE OGUN 

25/10 - QUARTA-FEIRA DE YANSà

29/10 - DOMINGO DE OXUN 

30/10 - SEGUNDA-FEIRA DE OMOLU (OLUBAJÉ) 

 

NOVEMBRO 

05/11 - DOMINGO DE YEMANJÁ 

08/11 - DIA DA YALORIXÁ (XANGÔ) 

12/11 - DOMINGO DO IPETÉ (OXUN) 

13/11 - SEGUNDA-FEIRA DOS 14 DIAS DE OMOLU

A partir das 19h.

“Isso é nosso Universo... Essa é nossa Crença!”
Mãe Stella de Oxossi.
 

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