Minhas raízes: Mãe Stella de Oxossi em memória da família

Ás

Minhas raízes: Mãe Stella de Oxossi em memória da família

A guerra trouxe a mãe.
A filha de Afonjá que chegou com a guerra.
Não tema a batalha!
Roguemos aos Orixás.
Para que a alegria se expanda no mundo.

Oh, mãe.
Afirmo a sua existência.
Boa saúde e vida longa.
Oh, mãe.
Cubra as nossas cabeças com coisas boas.

Assim como Xangô imortaliza o relâmpago no ar.
Mãe, estaremos sempre gratos por vossa existência.
A anciã que se sacrificou por nós.
Mãe, estaremos sempre gratos por vossa existência.

O filho descende da mãe poderosa.
O filho é a continuação da mãe.
Somos filhos de Odé Kayodê.
Aqui estamos!

Esta é a tradução do trecho de um oriki, poema que é recitado em determinados momentos aqui no Opô Afonjá em memória de todas as Mães Ancestrais. Nele, ainda tem um trecho que diz o seguinte: “A morte traz o renascimento. E os filhos são a continuidade dos pais nesta vida.” Esta continuidade acontece quando os nossos Ancestrais são reverenciados, afirmando que a morte não é o fim, e que esta continuidade se encontra inabalável e perene. Dessa forma, recitei este oriki na 7° edição da FLIPELÔ 2023 – Festa Literária Internacional do Pelourinho, em memória de minha tia e também Iyalorixá Mãe Stella de Oxossi, que foi a grande homenageada da Flipelô este ano.  

Durante os cinco dias de evento, todo mundo falou um pouco sobre minha tia. E quando achava que já haviam falado tudo, sempre alguém surgia com mais assunto. No entanto, isso me fez refletir sobre o real conceito do verdadeiro nome de tia Stella. Na verdade, o nome que ela carregava e que se tornou um brasão de família, traz em sua essência a transcendência de sua infinitude, tornando-a Inesquecível e fazendo com que muitos assuntos surgissem durante o Festival.

No decorrer de sua trajetória aqui no Aiyê – Terra, Mãe Stella se tornou para muitos um bem material, cuja transmissão do conhecimento perpassava a oralidade. No entanto hoje, na condição de intangível, ela nos deixa bens materiais a partir de suas obras, ressignificando a sua tão famosa frase, que: “o que não se registra, o vento leva!” 

A partir do tema deste artigo, que também foi tema da mesa que participei na Flipelô juntamente com minhas primas Thomazia e Thereza de Azevedo, darei um pequeno spoiler sobre estas raízes que, dada a profundidade que têm, terei que voltar ao século XIX, no ancoradouro das longínquas águas do continente africano.

Acredito que já tenham ouvido tia Stella falar ou lido em algum lugar que uma mulher da etnia Egbána Nigéria, tinha ido levar uma encomenda no porto e, lá chegando, foi seqüestrada e trazida pra cá na condição de escrava. Um africano chamado Konigbagbe – acredita-se que ele já era liberto, se apaixonou por Maria, vindo a comprar sua alforria e constituir família. Tempos mais tarde, frutifica desta relação Maria Theodora Vianna que, anos mais tarde, se casa com um português chamado Amâncio Soares de Azevedo, tendo duas filhas: Archanja e Thomazia de Azevedo. Thomazia teve seis filhos com Esmeraldo Antigno dos Santos, sendo Stella a quarta filha e Adriano – meu pai, o caçula dos irmãos.

Esta raiz está cravada em terras iorubanas, a partir de onde atravessa o Atlântico e se fixa na diáspora soteropolitana. Eu sou a continuidade de Konigbagbe; Theodora; Thomazia e Adriano, por isso é importante conhecermos a nossa história, pois as tentativas de apagamento das nossas memórias seguem com seus planos nefastos, objetivando a dizimação da população negra e suas comunidades originárias e tradicionais. Mas por que tanto ódio? Numa fala de Muniz Sodré na Flipelô – Obá Aresá do Opô Afonjá, ele decodifica o motivo de tanta malevolência e afirma: “A elite não tem pai nem mãe, portanto, eles não têm Ancestrais!” Dito isso, essas tentativas não serão mais toleradas, de modo que seguimos resistindo e fazendo da educação nossa maior arma.

Tia Stella foi uma mulher à frente do seu tempo. O “anel de Doutor” que carregou no dedo a partir da narrativa de Mãe Anninha serviu como arma contra a intolerância religiosa. Tia Stella foi enfermeira de formação; foi à primeira Iyalorixá a escrever livros; foi membro da Academia de Letras da Bahia; foi condecorada com as mais altas honrarias e hoje segue eterna, assim como o nosso grande tronco Konigbagbe. Agora, para que todos entendam porquê Mãe Stella é infinita e imortal: Konigbagbe significa INESQUECÍVEL.

Salve a Inesquecível Mãe Stella de Oxossi, a Estrela azul da Bahia!

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