Ondina Valéria Pimentel, nascida em 08 de fevereiro de 1916 a bordo de uma embarcação em pleno mar, era descendente de um africano que chegou à ilha de Itaparica na condição de escravo e foi batizado como Marcos Theodoro Pimentel, nas longínquas águas baianas. Quando liberto, ganhou notoriedade pelas boas ações em solidariedade a outros negros escravizados. Teve três filhos: Marcos Cardoso Pimentel – o Tio Marcos, fruto do primeiro relacionamento; José Theodoro e Flora da Trindade Pimentel. O velho Marcos afortunou-se com a pesca de baleia, onde ganhou muito dinheiro com a venda do óleo extraído de sua gordura e dos seus derivados. O que ganhava investia em imóveis. Gozando de prestígio devido à posição econômica, Marcos – chamado ‘o Velho’ – dominou o comércio da baleação na região e foi a partir dessa condição que conseguiu amparar seus filhos e descendentes.
Anos mais tarde, em maio de 1881 (Castillo, 2010, p.17), Marcos – o Velho – retornou para Lagos na Nigéria com seu filho, o Tio Marcos, trazendo de lá o “assentamento” de Babá Olukotun, Ancestral dos primórdios da nação iorubá. Donos de alguns imóveis e proprietário da fazenda “Tuntum”, o Velho Marcos fundou um Terreiro de culto aos Eguns, onde seus filhos Marcos e José eternizaram o seu legado. José Theodoro Pimentel, em seu primeiro matrimônio, teve uma única filha, Ondina Valéria Pimentel, que ficara órfã de mãe aos 06 anos de idade. Abastado e homem de negócios, José pode propiciar à filha Ondina uma educação melhorada. Além disso, ela aprendeu a tocar piano, se tornando professora de música. Com as mãos bem cuidadas, rechonchudas e unhas pintadas de rosa claro, Egbome Tutuca a chamava de “mãos de boneca”.Mãezinha era uma exímia professora.
Em 1921, Mãe Anninha viaja até a Ilha de Itaparica para iniciar a pequena Ondina. José, seu pai, tinha laços de amizade com a célebre Anninha – Obá Biyi. Ele era o Balé Xangô do Opô Afonjá, cargo que dividia o poder feminino com o masculino, chegando ao ponto do Terreiro ser administrado pelo ocupante deste cargo. O Balé Xangô foi extinto após o falecimento de José, quando houve a criação do Corpo de Obás, que tornou a atuação dos Ministros de Xangô mais efetiva. Mestre Didi Asogbá também foi Balé Xangô, no entanto, ele se confirmou na África em 1960. Informação esta que permanece documentada em um cartão postal destinado a Mãe Stella, datado em 30/11/60, onde relata tal fato.
Dez anos após a iniciação de Ondina, aos 15 anos de idade, ela se torna a primeira Iyákekerê – Mãe Pequena do Opô Afonjá, que é uma espécie de Mãe de Santo adjunta. Seu pai achava muita responsabilidade para uma jovem moça daquela idade que ainda tinha os estudos como foco primordial. Ele tentou anular a decisão, mas, como as ordens haviam partido de Xangô, ele não teve autorização nem autoridade para tal. Ondina, carinhosamente chamada de “Mãezinha”, era um misto de doçura e severidade. Lembro de Valdemir Daltro (in memoriam) Ogan de Oxossi dizer: “Tia Mãezinha não falava duas vezes. Ela só fazia olhar pra gente. Ah, de quem a desobedecesse! Ela era muito boa, mas não a aporrinhasse...”
Antes de ser Ialorixá do Opô Afonjá, Mãezinha fundara um Terreiro no Rio de Janeiro, no bairro do Éden. Vivia entre Salvador e Rio. Por lá iniciou muitos filhos.
Tia Stella dizia que Mãezinha se desgastou muito em administrar dois Terreiros. O corpo físico não agüentou e veio a sucumbir. Nesta época, tia Stella era a Kolabá. Tutuca de Iansã uma vez me disse: “Essas viagens eram feitas de ônibus. O povo na rodoviária já a conhecia. Após as viagens, seus pés ficavam muito inchados. Ter que conduzir as obrigações daqui e de lá era muito cansativo. Mas ela era guerreira! Sempre que chegava de viagem mandava me chamar. Eu morava e estudava em Itaparica. Alguém sempre chegava com um bilhete dele pra mim. Ela trazia bagagens e mais bagagens de presente. Não tinha um que não fosse lembrado. Minha Mãe Mãezinha era muito boa! Sinto muita saudade”. Tutuca foi iniciada por Mãezinha, tendo ficado órfã, sem concluir as obrigações. Completou seus preceitos com Mãe Stella e hoje é a Cantora Oficial do Opô Afonjá – mais pra frente falarei um pouco desta dileta filha de Iansã.
Filha de Oxalá, dedicada e boa professora, Mãezinha Iwin Tonan ficou no trono de Rainha do Opô Afonjá por apenas 07 anos mas, neste curto período, conseguiu deixar bons frutos. Na madrugada de 19 de março de 1975, Mãezinha partiu para a eternidade. Velada na Igreja da Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora às Portas do Carmo, mais conhecida como Igreja do Rosário dos Homens Pretos, a mesma igreja onde Mãe Anninha, a sua iniciadora, e Mãe Senhora, a sua antecessora, foram veladas. Uma multidão se despedia da incrível deusa Ninfa das Águas de Oxalá, cujo nascimento foi no mar.
Êpa Babá!
Luzes!