Maria Bibiana do Espírito Santo chegou neste mundo na virada do século XIX, aos trinta e um dias do mês de março, na casa de seus pais na Ladeira da Praça, Centro de Salvador. Existem controvérsias sobre o ano do seu nascimento. Tomando por base o livro “História de um Terreiro Nagô” do seu filho carnal Mestre Didi, o nascimento ocorreu no ano de 1900. Não obstante, de acordo com a historiadora norte-americana Lisa Earl Castillo, existem documentos assinados pela própria Maria Bibiana, que refutam tal afirmação e comprovam que seu nascimento aconteceu no ano de 1890.
Filha de Claudiana do Espírito Santo e de Félix do Espírito Santo – ele, mestre ferreiro de arsenal da Marinha, Maria Bibiana era neta de Madalena que, por sua vez, era bisneta de Marcelina da Silva - que atendia pelo orukó (nome de santo) de Obá Tossi. Marcelina foi uma das fundadoras do Candomblé da Barroquinha, o Ilê Axé Ayrá Intilé e descendia da nobre família Axipá, originária dos reinos de Ketu e Oyó, na Nigéria.
Maria Bibiana foi iniciada com apenas 07 anos de idade, pela “Eloquente Anninha” – Eugênia Anna dos Santos, Mãe Anninha de Xangô. Filha de Oxun, Maria Bibiana passou a ser chamada de Oxun Muiwá, desde então. Por ter começado a vida religiosa muito cedo e devido à linhagem familiar, Mãe Anninha entregou-lhe os pertences litúrgicos que outrora haviam pertencido a sua bisavó, Obá Tossi, outorgando-lhe a incumbência de, em um futuro próximo, também poder ser Iyalorixá, pois mesmo em tenra idade, o Axé já corria em suas veias.
Durante sua formação sacerdotal, Maria Bibiana foi a Osi Dagan do Opô Afonjá – título de suma importância nos preceitos da religião. Com a partida de Mãe Anninha para o Orun, Senhora, junto à Mãe Bada – Maria da Purificação Lopes, ajudou a conduzir o Ilê Axé Opô Afonjá, pois esta havia ficado como Iyalorixá por um curto período de tempo e, nem chegou a ser entronizada. Como Mãe Anninha havia preparado Senhora para sucedê-la, em 1942 - após o ano de luto pela passagem de Mãe Bada, Maria Bibiana do Espírito Santo se torna a terceira Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, passando a ser chamada de Mãe Senhora.
Ainda na juventude, Senhora teve um filho: Deoscóredes Maximiliano dos Santos, que ficou conhecido como Mestre Didi. Mais tarde, se tornou o Asobá do Opô Afonjá – cargo máximo da casa de Omolu. Trabalhadora aguerrida, Senhora tinha uma barraca no Mercado Modelo que chamava de “A Vencedora”, onde vendia bolinhos de “manauê”; cocada; bolachinhas de goma e frutas frescas tiradas das árvores do Opô Afonjá, bem como as que eram trazidas da Ilha de Itaparica. Lá na Ilha, na localidade de Ponta de Areia, na comunidade do culto aos Eguns, Mãe Senhora tinha o cargo de Iyá Egbé – Mãe da Comunidade do Terreiro do Ilê Agboulá, elevado título dado a uma mulher, haja vista que o culto é masculino.
O reinado de Senhora seguiu dentro dos parâmetros do que Mãe Anninha havia deixado. No entanto, ela fortaleceu elos e criou laços quando aumentou o quadro dos 12 Obás de Xangô – os Ministros do Rei – para 36, criando os respectivos Otun Obá – lado direito e Osi Obá – lado esquerdo, que é uma espécie de suplente, caso o titular falte ou vice versa. Desta forma, conseguiu reunir homens ilustres da sociedade baiana para compor a corte de Afonjá.
As relações entre a Bahia e a África já eram consolidadas desde a época do velho Martiniano Eliseu do Bonfim que, após viagem ao continente africano e retorno à Bahia, confirmou que tudo o que fazemos aqui é o que acontece por lá, mesmo com as adaptações. No entanto, esta relação de continuidade do legado africano na diáspora baiana somente chega às terras de Afonjá no São Gonçalo do Retiro em forma de título, em 1952, quando Pierre Verger, interlocutor entre os continentes, traz na bagagem a mais alta honraria ocupada por mulheres dentro do Aafin – Palácio, onde o Alaafin Oyó – Rei de Oyó, Adeniram Adeyemi, concedeu para Mãe Senhora o título de Iyánassô, reputação de altíssimo nível dentro da corte real em terras iorubas.
Pierre Verger foi peça fundamental nestas relações internacionais: Mãe Senhora recebia com frequência gente do mundo todo. Em vista disso, na ocasião do cinqüentenário de sua iniciação, até representantes do Presidente Juscelino Kubitschek estiveram nas festividades. Em 13 de maio de 1965, Mãe Senhora recebeu o título de “Mãe Preta do Brasil”, a data que simboliza a libertação dos negros escravizados reuniu uma multidão no estádio do Maracanã no Rio de Janeiro, onde representantes das comunidades religiosas afro-brasileiras, políticos e intelectuais lotaram o estádio. Já pelos serviços prestados a preservação da cultura africana, em 1966, o governo do Senegal lhe conferiu a comenda “Cavalheiro da Ordem do Mérito”.
Mas, como nada nesta terra é pra sempre,ao nascer do sol de 22 de fevereiro de 1967, após as obrigações fúnebres do Axexê de Mãe Agripina Souza – Obá Deyi, Iyalorxá do Opô Afonjá do Rio de Janeiro, Mãe Senhora - de forma repentina - retornou para se encontrar com seus Ancestrais. Este foi um fato difícil de acreditar, pois Mãe Senhora era conhecida por sua vitalidade: ninguém imaginava tal infortúnio. Sua doçura e passos macios não seriam mais vistos neste Axé. Seu velório aconteceu na igreja do Rosário dos Pretos, no Pelourinho – Centro Histórico de Salvador, mesmo local onde sua mãe de santo, Mãe Anninha, havia sido velada. O ritual de Axexê foi dirigido por Mãe Menininha do Gantois, sua irmã de cabeça. Mãe Senhora reinou soberana por 25 memoráveis anos, período no qual o Opô Afonjá foi palco de grandes acontecimentos, sob as mãos da nossa Iyánassô ati Axipá, que deixou uma trilha de abastança. Hoje restam somente as nossas memórias:
Salve Mãe Senhora!
Orê yê yê ô!!!