No grupo de WhatsApp que mantenho com meus ex-alunos e colegas, é muito comum a busca de profissionais para as áreas de controladoria, em todos os níveis. A novidade é que, nos últimos tempos, não há quase ninguém para indicar. Temos até um meme para algumas vagas, chamado “esse é mosca branca”, que usamos especialmente para profissionais que entendam de IFRS e conjuntamente de tributos. Contador que fala inglês então, como disse um CFO, é muito mais difícil.
Em muitas empresas de auditoria, o turnover está altíssimo. Os alunos de Ciências Contábeis e de outros cursos correlatos estão sendo contratados já no primeiro semestre, mal esquentam os bancos escolares. Isso também está acontecendo nas empresas de assessoria contábil, os chamados BPO’s, que estão com uma demanda grande de profissionais, ao mesmo tempo que enfrentam muitas dificuldades para encontrar esses colaboradores. Muitos deles, inclusive, não querem assumir a sociedade, colocando em risco a continuidade dessas empresas, e gerando oportunidade de consolidações nesse setor. No universo das empresas não contábeis, essa demanda também é permanente.
Outra evidência ocorre mais próxima ao meu trabalho, pois um dos papéis que acabo exercendo nas minhas atividades profissionais é a busca de profissionais. Mesmo tendo acesso a muita gente qualificada, acabo me esforçando mais do que fazia anteriormente para encontrá-los.
Quais são as causas?
Além da questão macroeconômica, com o país tendo regiões muito próximas do pleno emprego, entendo que a procura pela carreira contábil tem diminuído consideravelmente, talvez pelo problema de comunicação da própria classe contábil, que não tem sido muito feliz na comunicação dos atrativos profissionais da carreira. Além disso, não há como negar que o ensino formal está sofrendo uma série de críticas, com influencers prometendo ganhos fáceis sem o estudo formal, mas de duvidosa comprovação.
A profissão e o profissional têm sido muitas vezes caracterizados como alguém não criativo e extremamente bitolado, o que para muitas pessoas não é atrativo. Outras vezes, é apresentado na mídia, em grande parte em notícias de páginas policiais, o envolvimento de contadores em fraudes. Ainda, quando os contadores aparecem em entrevistas ligadas a fatos positivos, geralmente não se destaca a profissão de contador do entrevistado.
Além disso, se difundiu que a profissão estaria com os dias contados, sempre aparecendo nos rankings como a profissão que irá desaparecer no futuro pelo desenvolvimento de tecnologias, como a Inteligência Artificial. Isso não está se confirmando, mas pode ter influenciado a baixa atratividade da profissão para os estudantes.
Quais são as soluções?
Uma delas é buscar o talento nos bancos de ensino. Uma iniciativa interessante é o Programa Dual Study da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O aluno, já contratado pela empresa, faz o curso de graduação e também trabalha. Isso gera um ganho de alinhamento de cultura, testa o aluno em situações reais, melhorando o ensino-aprendizagem e também a formação do aluno-profissional. Certamente, diminui o CAT (Custo de Aquisição de Talentos) - uma referência ao CAC (Custo de Aquisição de Clientes) utilizado no marketing.
Outra possibilidade é a utilizada por algumas empresas, que estão apostando na formação de menores aprendizes, ou seja, estão recrutando alunos ainda no colégio. Outras estão buscando os profissionais que já tenham uma graduação em outra área e que agora buscam ter sucesso na área contábil. Nessa, são incluídas as iniciativas em contratar os profissionais com idade acima dos 50 anos.
Já para atrair maior quantidade de talentos para a profissão contábil, entendo que é urgente uma campanha de comunicação vocalizada pelos órgão e entidades de classe para divulgar mais as coisas boas da profissão.
O ponto é que a competição pelo talento contábil é global. Já há algum tempo, havia muitos empregos para contadores na Austrália e no Canadá. Agora, a demanda é quase generalizada na Europa.
Além disso, a necessidade de mão de obra qualificada não se restringe ao setor contábil, diversos setores convivem com esse fenômeno. Portanto está mais que na hora dos conselhos e diretorias das empresas incluírem esse tema na agenda estratégica de curto e médio prazos.
José Carlos Oyadomari (PhD.) Professor do Insper e Professor Pesquisador do Mackenzie. Sócio da True Port Advisors (M&A). Conselheiro Consultivo da Consulcamp e Traad Wealth Management, Co-autor do livro Contabilidade Gerencial (Gen Atlas). Desenvolve projetos de consultoria e treinamentos customizados sobre Controladoria e Finanças. Instagram: @prof.oyadomari https://www.linkedin.com/in/jcoyadomari/ site: oyadomari.pro.br