O Candomblé e seus ciclos: parte 3 – o fim

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O Candomblé e seus ciclos: parte 3 – o fim

Todo início tem meio e fim, e no Candomblé não seria diferente. De modo que, este “fim” seria a conclusão de todas as obrigações, desde a época de Abian, passando pelo cargo ou posto que porventura a pessoa viesse a ter, até o dia de sua morte. E como tudo no Candomblé existe um ritual, o Axêxê é o ritual fúnebre que ocorre dentro dos Terreiros de Candomblé da nação Keto. Esta palavra é a corruptela advinda do Àjèjé, que é o ritual de vigília do Caçador, onde a partir do mito sobre a morte de Oxossi, Olú Odé - o Grande Caçador, cânticos em forma de oração foram entoados durante sete dias, ao qual toda comunidade dançava, comia e bebia em homenagem ao falecido. Quando no último dia, foi feito um grande ebó (oferenda) com os pertences do Caçador, juntamente com as comidas de sua preferência, e colocado no local determinado a partir do jogo de búzios. Por este motivo Oxossi tem o epíteto de “dono do Axêxê”, e, a maioria das canções faz referência a ele, e a Sociedade dos Caçadores, identificada como Omorodé – filhos do Caçador. 

Nas nações Angola e Jêjê, o ritual fúnebre tem seu nome de acordo com o dialeto específico a cada nação. Na língua quicongo, oriunda do subgrupo das línguas bantas, e que faz referência à nação Angola, esta cerimônia é chamada de Mukondo. Já na nação Jêjê, Sirrum. Entretanto, assim como os Orixás, que são divindades da nação Keto e se popularizaram na diáspora sendo associados e sincretizados aos Inkisis (divindades da nação Angola) e Voduns (nação Jêjê), a palavra Axêxê, Àṣèṣé, oriunda da língua ioruba, se entranhou a linguagem das duas nações supracitadas, onde os povos dos Terreiros Angola e Jêjê se referem as suas obrigações fúnebres como Axêxê. Salvo alguns Terreiros mais antigos e tradicionais que ainda utilizam o nome distinto a sua nação.

No que tange as cerimônias fúnebres do Candomblé em suas distintas nações, elas têm como função primordial encaminhar o espírito do falecido a partir de seus ritos, sendo que este é o último ato da pessoa iniciada, pois como seu corpo passou por sacralizações durante sua estada no Ayê (terra), às obrigações pós-morte devem acontecer como manda a tradição de cada nação, onde é necessário fazer a dessacralização do corpo, para que este seja entregue a quem de direito. Os Ancestrais mais velhos daquela família de Axé são invocados para participarem do ato, pois aquele jovem espírito precisa ser orientado em sua nova vida, para que haja o desligamento dos apegos materiais, e que esta nova jornada seja concluída com êxito, objetivando a ancestralidade e o retorno à sua origem.

Falando especificamente do Axêxê, Terreiros tradicionais de Salvador, a exemplo do Opô Afonjá, que tem em seu quadro de Obás e Ogans, os Ojés, que são sacerdotes de um culto paralelo ao dos Orixás, onde se cultua os Egungun, que são os antepassados mais antigos de uma determinada família, este Axêxê quando conduzido pelos Ojés, continua sendo feito como manda a tradição da nação Keto, haja vista sua origem ioruba. Contudo, não são todos os Terreiros que têm em seu quadro de Ogans, os sacerdotes deste culto, o que não deslegitima uma obrigação de Axêxê feita por Ogans. Não obstante, quando os Ojés são acionados para este tipo de cerimônia, independentemente da nação, o encaminhamento do espírito é feito de forma mais precisa e direta, pois só eles, os “Ojés Mariwôs”, detêm o conhecimento do mistério entre a vida e a morte, conseguindo auxiliar o jovem espírito em sua nova caminhada, e, confortando aqueles que ficaram, conscientizando que a morte não é o fim, sobretudo, aprimorando a nossa compreensão neste momento tão difícil, mesmo que não gostemos de falar no assunto. 

Uma cantiga de Axêxê traduz o seguinte: “A morte quando chega, não escolhe idoso ou jovem; branco ou preto; rico ou pobre. Ela leva qualquer um!” E a partir deste julgamento, o Candomblé nos prepara para este momento que é inevitável, mas, também, a “Educação de Axé” nos ensina viver dentro probidade e dos bons costumes, para que tenhamos uma vida longa e próspera. E quando chegar a nossa vez, que o nosso espírito seja bem recebido pelos mais velhos que partiram em nossa frente, e que lá também serão os nossos orientadores, só que agora pra vida eterna.

As cantigas de Axêxê são reflexões da vida vivida na terra, e esta canção diz o seguinte:

Ibi bibi lobi wa.

Arôle, ki bó omokomo orô.

Odé Arôle lobi wa.

Lobi wa ki bó omokomo orô.

Aquele que dá o nascimento aos filhos deu nascimento ao nosso Ancestral.

Arôle, aquele que atende ao ritual de todo e qualquer filho.

Odé Arôle é o nosso Ancestral.

O nosso Ancestral que atende ao ritual de todo e qualquer filho.

E é assim que se encerra o ciclo de obrigações de uma pessoa iniciada. Que Deus e os Orixás nos dêem vida longa com muita saúde para seguirmos nesta caminhada por muitos anos. Eu escrevendo, e você lendo!

Axé!

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