A Quaresma e o Olorogun

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A Quaresma e o Olorogun

Após a quarta-feira de Cinzas, em alguns Terreiros de Candomblé da nação Ketu, acontece um ritual chamando Olorogun. Esta cerimônia se dá pela ida dos Orixás pra guerra, onde eles saem do Aiyê a caminho do Orun para lutar em prol de seus filhos. Este acontecimento simbólico e imagético, onde os filhos de santo simulam uma luta, interage com a ordem do universo, onde os Orixás nos protegem contra a desordem do mundo.

Gostaria de deixar destacado que trago este assunto embasado em minha vivência, histórias contadas por minha tia e a minha compreensão sobre os resquícios da escravidão e perseguição policial contra o Candomblé, pois na internet existem várias narrativas sobre este ritual.

É mais que sabido que os negros eram proibidos de professar sua fé, onde o sincretismo se tornou uma doutrina para readaptação da religião. As mais diversas formas de sobrevivência, fez com que os negros se moldassem a hegemonia branca, sobretudo ao discurso religioso onde se matava em nome da fé. Por este motivo, no período da Quaresma, onde relembramos a crucificação e morte de Cristo, e, ao terceiro dia se é festejado sua ressurreição, o povo de Candomblé entra em um tipo de recesso. Acredito que este afastamento das atividades nos Terreiros tenha acontecido para evitar os confrontos naquela época.

Aqui no Opô Afonjá seguimos esta tradição. No domingo após a quarta-feira de Cinzas, acontece o Olorogun. Deste dia até o sábado de Aleluia, nada é feito no Terreiro, nem mesmo se acende uma vela, haja vista que os Orixás não estão presentes na casa. Salvo os Ancestrais, que não participam desta dinâmica. Daí então, na sexta-feira Santa, todos os filhos de santo chegam ao Terreiro para dormir, e no sábado de Aleluia as casas dos respectivos Orixás são limpas para recebê-los com todo louvor. No entanto, o único Orixá que permanece na guerra é Xangô. Ele chega em “Aleluia” junto com os outros Orixás, mas retorna pra guerra. Aparece somente às quartas-feiras para comer, onde ofertamos a ele sua comida predileta. O amalá. Que aqui no Brasil este prato é feito com quiabo, e popularmente é conhecido como caruru. Xangô então come e retorna pra batalha.

Após 60 dias da ressurreição de Cristo, a igreja católica festeja o dia de Corpus Christi, solenidade onde se relembra a última ceia, véspera de sua morte, onde em comunhão, ele repartiu o pão com seus discípulos. Precisamente, o dia de Corpus Christi sempre acontece numa quinta-feira, que coincidentemente é o dia dedicado ao Orixá Oxossi. Caçador e provedor do alimento, Oxossi é tido como o Orixá da fartura e da boa mesa. Desse modo, no dia de Corpus Christi os Terreiros tradicionais festejam Oxossi. Vale lembrar que toda esta associação é baseada na teoria da minha cabeça, pois são observações e experiências do meu cotidiano!

Pois bem... Passado o dia de Corpus Christi, e sem ter mais nenhuma associação com o calendário católico, aqui no Opô Afonjá, no dia 29 de junho, é festejado o Abogun, que significa o retorno da guerra. Nesta data, Xangô é o Orixá homenageado, que após retorno do Olorogun traz em suas mãos o fogo, elemento inerente da sua essência, que para o nosso regozijo representa a vida e a vitória da guerra. E durante 12 dias Xangô é comemorado aqui no Opô Afonjá.

Xangô é o patrono do Opô Afonjá, por este motivo ele é reverenciado como um Rei. As datas do calendário do Opô Afonjá variam de acordo com o início da festa de Oxossi em Corpus Christi, onde acontece cair em meses diferentes, entre maio e junho. No entanto, o ciclo das festas de Xangô são datas fixas, quando em 24 de junho acontece a fogueira em homenagem a Ayrá; 28 de junho a fogueira de Afonjá; 29 de junho o Abogun; 02 e 05 de julho mais festa pra Xangô, findando em 11 de julho, quando Xangô homenageia sua mãe, Iyámassê (Iemanjá), completando assim os 12 dias.

Em agosto o Terreiro fica sem atividades festivas, só retornando com o calendário das festas no final de setembro com os Ancestrais da casa, Oxalá e os demais Orixás seguindo até o meado de novembro, quando se encerra o ciclo das festas com o Presente nas Águas. E quando o ano termina começa tudo de novamente. Quaresma, Olorogun, Oxossi/Corpus Christi, fogueiras, Abogun e etc...

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