As memórias que tenho desta Inesquecível são do tempo em que ela viveu aqui em casa – no Opô Afonjá e na casa do Bonfim, onde toda e qualquer reunião que acontecia, ela se fazia presente. Estou falando de tia Gildete de Ogun. Aqui na roça, muita gente tinha medo dela, pois era rígida com as questões de Axé. Ela tinha limitações por conta da perda da visão de um dos olhos. Tinha o costume de me tomar à bênção em qualquer lugar – na rua, no mercado, no ônibus, onde fosse. As pessoas na rua me olhavam sem entender nada: como uma senhora toma a bênção a um jovem?! Muitas vezes eu morria de vergonha, pois muitas vezes acontecia de estar vindo da escola com os colegas, quando ela me abordava: “Bênção meu pai!” E os colegas sem entender o motivo, mesmo sabendo que eu era do Candomblé, indagavam. E vejam vocês – ela era Egbome antiga. Eu que tinha de tomar a bênção primeiro.
Bonito de ver era seu Ogun em terra. Todos ficavam apreensivos por conta da sua limitação, pois como não enxergava direito as Ajoiês ficavam todas atentas. Mas quando Ogun chegava ninguém o segurava. Ele suspendia a saia com as mãos, jogava pra trás com as mãos nas “cadeiras” e saia andando por esta roça numa rapidez que ninguém conseguia alcançá-lo. As Ajoiês se viam loucas [risos]. Não sei como Ele conseguia andar descalços na roça com aquele tanto de pedrinhas. Ele andava de ponta a ponta da roça, como se tivesse protegendo o perímetro. Ogun yê! Iniciada por Mãe Senhora, seu Orukó – nome de santo, era Ogun Deyi – Ogun que chegou para resolver! Pensem num Orixá vivo! Era o Ogun de tia Gildete.
Muito ríspida, e por isso muita gente a temia, tia Gildete não tinha papas na língua. Graças a Ogun nos dávamos muito bem, mesmo nos momentos em que ela me repreendia por algum motivo. Lembro-me de duas passagens super engraçadas, onde nessa rispidez, ela ainda nos tirou bons risos. A primeira foi com um irmão de santo que na época era abiã. Ele sempre foi e ainda é muito elegante ao se vestir, e, numa festa – não me lembro de qual Orixá, lá estava ele todo bem vestido. Quando tia Gildete olhou pra ele de cima a baixo e disse: “(...) e ai fica este daí fantasiado de Ogan...! Apontado o dedo pra ele. O irmão ficou sem entender o motivo da abordagem brusca, e eu comecei a rir.
A outra passagem foi quando estava conversando com outro irmão chamado Álvaro, mas todo mundo o conhece por Vino. Sabendo que ela era explosiva, fiquei a espera de ela passar, e disse: “Vó Anninha deixou esse Terreiro pra gente. Este Axé é divino. Tia Gildete parou na hora e retrucou: “Aqui não tem nada de Vino. O Axé é de Xangô e de Iemanjá! Que história é essa que o Axé é de Vino?!”Até eu explicar que não falei “de Vino” e sim o adjetivo proveniente da inspiração divina dos Orixás, foi um Olorogun – Guerra. Ria eu e ria Vino. Tia Gildete era uma pessoa bem difícil. Mas com jeitinho eu conseguia trazer ela pra mim [risos].
Infelizmente o tempo de tia Gildete aqui no Aiyê chegou ao fim. Ela deixou muita saudade, principalmente Ogun, que forte e imponente aonde chegava resolvia as demandas, e sempre deixando um rastro de muito Axé e boas energias.
Viva a Ogun!