Aos quinze dias do mês de novembro do ano de dois mil e onze, após retornarmos do presente nas Águas, Xangô deu por encerrada as atividades referente o ciclo do calendário litúrgico do OpôAfonjá. Daí, então, alguns filhos de santo se reuniram ao pé de uma amendoeira para resenhar, e, como de praxe: "molhar a palavra". Retrocederei alguns anos para que todos entendam o motivo desta reunião debaixo do pé da amendoeira.
Aproximadamente em 1995, no mês de dezembro, eu; Nino e Valnei – hoje homens feitos, pais de família e Ogans do Opô Afonjá; recebemos o título de “tocadores de Santa Bárbara”. Durante alguns anos, no dia 4 de dezembro, egbome Tutuca fazia um cozinhado e, reunia as crianças e alguns adultos que se faziam presentes para arrumarem e ornamentarem um pequeno altar onde era colocada a imagem da Santa. O tempo foi passando e muita coisa foi caindo no esquecimento e, o espírito de brincadeiras e invenções que Tutuca gostava de fazer foi desaparecendo.
A casa de Xangô sempre viveu em festa, tudo era motivo para se comemorar, e Ele, não iria deixar a criatividade e inteligência de Tutuca passar despercebida. Certo dia a natureza se incumbiu em mandar um passarinho aqui na roça para semear a alegria, e assim foi feito. Mimi nasceu! Mimi é a amendoeira que falei no início de nossa conversa. Essa amendoeira germinou, cresceu e se tornou uma grande árvore, onde Tutuca passou a cuidar como se fosse uma filha. E como as coisas de Tutuca são inusitadas, ela passou a chamar a amendoeira de Mimi.
Mimi já crescida, onde sua fronde nos dar uma bela sombra, Tutuca inventou de fazer o tal cozinhado, onde conseguiu reunir alguns filhos da casa e, aqueles que estão sempre presentes em suas festas de supetão, que não é o meu caso [risos]. Inventiva e bem original, Tutuca decidiu fazer o batizado da árvore. E como a proposta da natureza era semear alegria, Mimi passou a ser chamada de Mo jé Arayó, que traduzido do ioruba para o português significa: Eu estou Feliz ou Eu sou Alegria; nome pensado pelos irmãos Welligton e Jorge Mendes, ambos Ogans da casa. Daí a festa de Mimi passou a acontecer no mês de dezembro depois das atividades de cunho religioso.
No entanto, Mimi também tem seu Axé e fundamentos, pois antes da folia ela passa por um ritual de caráter sagrado onde ofertamos aos seus pés: frutas, amalá – o famoso caruru (comida predileta de Xangô no Novo Mundo), orobô, obi,dinheiro, água e vinho, elementos para fortalecimento de sua raiz e da harmonia da casa. Mimi também tem padrinhos e um “Ogan” mantenedor, onde esta brincadeira séria fez com que algo mágico acontecesse.
Certa feita, a casa de Oxalá iria passar por uma reforma e, o engenheiro da obra condenou Mimi, pois sua raiz estava passando por debaixo da casa. Chorosa e desiludida, Tutuca me procurou a fim de encontrarmos uma solução. A princípio pensei em pegar uma muda e replantar em outro local, mas ainda assim estava sendo muito doloroso o cenário em ceifarem a árvore que ela criou com tanto carinho. Então a única solução era não estar presente na hora da extração. Meu sentimento era de impotência, mas o inesperado aconteceu: da noite pro dia, mãos misteriosas colocaram encostado no largo caule de Mimi uma enorme ferramenta de Exu de mais ou menos dois metros de altura. Ninguém sabia quem havia colocado aquela ferramenta. Na manhã daquele dia, quando os funcionários chegaram para execução da poda, o engenheiro decidiu de última hora não cortar mais a árvore. Disse que daria um jeito da raiz não abalar a estrutura da casa, e a reforma foi concluída com êxito. Tutuca vibrava de alegria, e eu também. E até o dia de hoje, Mimi segue linda e frondosa.
Mimi faz parte da cultura imaterial do Ilê Axé OpôAfonjá, assim como a festa de Lalá, outra brincadeira que acontece sempre na festa de Exu, e que tem como grande mente articuladora a nossa querida Tutuca e o saudoso Moacyr Barreto Nobre, o Moacyr de Ogun, 1934-2001.
Essa história é tão emocionante que me inspirou a compor uma canção em homenagem a Mimi e egbome Tutuca de Iansã – Oyá Toki, onde o meu grupo de Samba de Terreiro, Inúdidùn – Samba da Felicidade canta:
Olorun com todo amor, mandou lá pro Afonjá.
Passarinho bem singelo, para poder semear.
Alegria e amor para quando se encontrar.
No pé da amendoeira, vamos todos festejar.
Ô Mimi, ô Omi ô!
Oh Toki!
Mo jẹ arayọ eu sou, Toki quem me batizou.
No palácio de Xangô, vamos todos festejar.
Lá no pé da amendoeira, o xirê vai começar.
Chama logo ‘os tocador’, que o couro esquentou.
Ogun yê, Okê Arô, Êpa Hey, Nixé Kawô!
Ô Mimi, ô Omi ô!
Oh Toki!