Autodeclaração de 4 em 10 candidatos a vereador negros e indígenas é reprovada em estudo
De acordo com o TSE, as eleições municipais tiveram 432.002 pedidos de registros de candidatura para vereador
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Quase 4 de cada 10 candidatos a vereador que se disseram pretos, pardos ou indígenas nas eleições 2024 não foram confirmados como pertencentes à raça declarada, segundo pesquisa do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa), ligado à Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), as eleições municipais tiveram 432.002 pedidos de registros de candidatura para vereador, sendo 176.617 de autodeclarados pardos, 50.772 de pretos e 2.461 de indígenas.
O grupo montou uma banca de heteroclassificação racial -quando a classificação é feita por terceiros- composta por cinco pesquisadores, três deles negros e dois brancos. Foram avaliadas 4.200 candidaturas sorteadas dentre o total de postulantes à vereança inscritos juntos ao TSE, chegando a uma amostra representativa dos candidatos.
Para fazer a análise, os pesquisadores consideraram a foto de urna dos postulantes. Eles foram instruídos a fazer a classificação racial segundo a divisão adotada pelo IBGE: amarelo, branco, indígena, pardo e preto.
A amostra maior, com mais de 4.000 pessoas, mitigou, segundo Luiz Augusto Campos, coordenador do Gemaa e professor de sociologia da Uerj, o fator limitante de a classificação ter sido feita por fotos, que nem sempre representam bem o candidato ou têm boa qualidade. A limitação foi identificada em cerca de 5% dos casos.
A análise foi feita a título de pesquisa acadêmica e não afeta o resultado da eleição dos candidatos avaliados.
Jogando contra a hipótese central de que a presença de pessoas negras é reduzida em cargos de poder e levando em consideração que a raça é "construção social complexa e historicamente determinada", os especialistas foram orientados a, em dúvida, classificar as pessoas na categoria mais escura.
Ainda assim, 38% dos candidatos autodeclarados PPIs (pretos, pardos ou indígenas) foram classificados como brancos ou amarelos por ao menos 3 dos 5 pesquisadores.
"Isso significa que quase 4 em cada 10 candidatos PPIs não tiveram sua autodeclaração validada pela equipe de análise, impactando 20% do total de candidaturas", aponta trecho do estudo.
De acordo com Campos, a banca também identificou diferença na classificação no sentido inverso: pessoas identificadas por eles como PPIs que se disseram brancas. A porcentagem, entretanto, foi bem menor nesse caso, de apenas 5%.
A pesquisa também apontou quais partidos tiveram maiores taxas de discrepância entre a raça autodeclarada e a avaliada pela banca. PRD, PDT, PL e União Brasil apresentaram as maiores divergências. Avante e Solidariedade, as menores. PT, PSD, Podemos e PSDB ficaram dentro da média.
Segundo Campos, algumas razões podem explicar a diferença entre os partidos. A principal, aponta, provavelmente é o descaso que algumas siglas têm com a classificação racial de seus membros.
"Embora a variável seja de autodeclaração, quem registra esses dados são os diretórios partidários", afirma. "Alguns deles registram de qualquer jeito."
A classificação racial dos candidatos interfere na distribuição de recursos nos partidos. O objetivo é diminuir a ainda presente desigualdade. Em 2020, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que as siglas deveriam distribuir propaganda e verba de campanha proporcionalmente ao número de seus candidatos negros.
No ano seguinte, o Congresso determinou que votos dados a negros nas eleições de 2022 a 2030 passariam a contar em dobro para efeito de distribuição de recursos dos fundos partidário e eleitoral.
Em 2024, entretanto, foi aprovada pela Câmara dos Deputados a PEC da Anistia, que limitou a verba eleitoral a negros para 30%, depois de descumprimento generalizado dos partidos em relação à determinação do STF.
O Gemaa também identificou diferença significativa entre as regiões brasileiras. A Sul é a que mais teve casos discrepantes -48% dos candidatos ditos pretos, pardos ou indígenas foram classificados como brancos pela banca. A região Sudeste foi aquela que teve a menor diferença. Mesmo nesse caso, a taxa, de 34%, foi considerada elevada.
A fluidez racial entre as regiões e o tamanho da categoria pardo -considerada a mais ambígua de todas- são elementos que podem justificar as diferenças regionais, de acordo com Campos.
Ainda segundo o pesquisador, o resultado da pesquisa reacende a discussão sobre a necessidade de as instituições intensificarem o controle sobre a autodeclaração.
Ele sugere medidas como a identificação, nos materiais de campanha, de que o postulante se beneficiou de políticas de ação afirmativa. "Assim o próprio eleitor poderia julgar se aquele benefício é legítimo", diz.
Em 2024, o TSE já acolheu sugestões para coibir fraudes. De acordo com resolução de fevereiro, "no caso de ser declarada, no registro de candidatura, cor preta ou parda em divergência com informação do cadastro eleitoral ou com anterior pedido de registro, a pessoa candidata e o partido, a federação ou a coligação serão intimados para confirmar a alteração da declaração racial".
Entender a quantidade real de PPIs candidatos é importante porque dados inflados podem camuflar a intensidade da ainda presente desigualdade racial na política brasileira, aponta Campos. Segundo dados do TSE, 39% dos vereadores eleitos nas eleições de 2024 se disseram pardos, 7% pretos e 0,4% indígenas.