Caso das Joias: Bolsonaro mentiu sobre ter guardado joias em fazenda de Nelson Piquet no Brasil, afirma PF
As joias estariam em pose do ex-piloto de F1 e foram desviadas para os EUA, onde investigadores veem tentativa de disfarçar operação para leiloar itens
Foto: Reprodução/ Redes Sociais
O relatório da Polícia Federal (PF) que indiciou Jair Bolsonaro e outros 11 suspeitos pelo caso das joias, revela que o ex-presidente mentiu aos investigadores para manter um dos kits presenteados pelo governo da Arábia Saudita em uma fazenda do ex-piloto de F1 Nelson Piquet. O desejo, para a PF, foi acobertar o envio dos itens de luxo para os Estados Unidos, visando leiloá-los.
No decorrer do depoimento no dia 5 de abril de 2023, em Brasília, Bolsonaro afirmou nunca ter ficado em pose das joias e que só deixou o Brasil no final do mandato para não participar da cerimônia da faixa presidencial para Lula.
O ex-presidente também alegou que o Kit da grife Chopard, composto por uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um masbaha (espécie de rosário árabe) e um relógio, onde formam encaminhados ao seu acervo presidencial guardado e uma fazenda de Piquet no Lago Sul, área nobre da capital federal.
Já o ex-piloto é próximo de Bolsonaro e foi o maior doador da campanha do então presidente e candidato à reeleição entre as pessoas físicas após repassar a cifra de R$ 501 mil.
Ao logo das apurações, o kit ouro rosé foi levado para a Flórida a bordo do avião presidencial. Já em solo americano, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid levou os itens pessoalmente à sede da Fortuna Action House, empresa especializada em leilões de joias, em Nova York. Elas foram submetidas ao leilão em fevereiro do ano passado, mas não foram arrematadas.
De acordo com o relatório, o kit foi desviado do acervo presidencial com a ajuda do então chefe do Gabinete de Documentação Histórica da Presidência da República, Marcelo Vieira, um dos 11 aliados de Bolsonaro indiciados pela PF.
Os itens entraram no Brasil sem sobressaltos, ao contrário do primeiro kit feminino da Chopard revelado pelo jornal Estado de S. Paulo, apreendido pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) no retorno da comitiva presidencial ao Brasil de um périplo pelo Oriente Médio que incluiu a Arábia Saudita em outubro de 2021.
As joias estavam em pose e dentro da mochila do assessor do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Já o kit ouro rose passou incógnito na bagagem de Albuquerque. Depois da publicação da existência do segundo kit e a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) para que fossem devolvidas ao poder público, Bolsonaro e aliados orquestraram uma força-tarefa para retomar as joias nos Estados Unidos.
Operação Clandestina vs Falas de Bolsonaro
A Operação, como chamada no relatório, tinha como objetivo de "não levantar a suspeita de que os bens, na verdade, estavam no exterior”. Assim, contradizendo a versão passada pela ex-presidente que as joias estavam na fazenda de Nelson Piquet.
As tratativas para a retomada dos bens foram discutidas por Mauro Cid e o coronel da reserva Marcelo Câmara, assessor de Bolsonaro, em diálogos no WhatsApp. Alguns dos diálogos deixam claro que a dupla tinha ciência da irregularidade das transações envolvendo as joias no exterior.
Em 13 de fevereiro de 2023, Câmara enviou um áudio para Cid relatando uma conversa com Marcelo Vieira, então chefe do Gabinete de Documentação Histórica da Presidência.
“Eu perguntei para o Marcelo [Vieira,]. Marcelo me explicou o seguinte: apesar de ser um presente personalíssimo, ele [Bolsonaro] pode fazer o que quiser. Mas se for pra [vender] no Brasil, pra brasileiro, alguma coisa, doar, vender, dar de presente… Qualquer coisa não tem problema nenhum. Não precisaria avisar. Mas como é no exterior, obrigatoriamente eu tenho que avisar. Então, para não gerar problema, melhor voltar. E aí, em uma outra oportunidade, pode leiloar, mas só que no Brasil mesmo, ok?”, afirmou Marcelo Câmara.
“Fechado. Só dá pena porque estamos falando de 120 mil dólares”, declarou Cid, por escrito, emendando com gargalhadas.
Os advogados de Bolsonaro também sustentam que o caso não deveria tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a relatoria de Alexandre de Moraes, e sim na Justiça de Guarulhos, como defendeu a gestão de Augusto Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR). A posição da PGR, no entanto, foi revista depois.
A defesa ainda manifestou “completa indignação” com a informação do relatório da PF de que o ex-presidente teria tentado beneficiar-se de bens cujos valores alcançariam R$ 25 milhões, um número que “somente após enorme e danosa repercussão midiática foi retificado pela Polícia Federal".
Após a correção, a PF informou que o esquema desviou bens que somam R$ 6,8 milhões.