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Salvador

Dia de Iemanjá: Confira como celebrar o 2 de fevereiro com muita fé e consciência socioambiental

Saiba como aproveitar a data, que promete reunir milhares de pessoas em Salvador, sem agredir o meio ambiente

Por Otávio Queiroz
Ás

Dia de Iemanjá: Confira como celebrar o 2 de fevereiro com muita fé e consciência socioambiental

Foto: Fabio Pozzebom/Agência Brasil

Declarada Patrimônio Imaterial de diferentes municípios do Nordeste brasileiro, a festa de Iemanjá promete reunir, como em todo ano, milhares de pessoas na capital baiana no próximo dia 2 de fevereiro. Na data, cortejos, rituais e oferendas transformam o bairro do Rio Vermelho em um verdadeiro terreiro ao ar livre, tudo permeado por uma atmosfera de fé e devoção.

A festa, no entanto, também costuma ficar marcada pela grande quantidade de resíduos que retornam às praias após os festejos. Para se ter uma ideia, no ano passado, a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb) recolheu mais de 80 toneladas de lixo nas faixas de areia e no circuito do Rio Vermelho após a Festa de Iemanjá.

Foi pensando em contar a história dessa festa centenária e, ao mesmo tempo, evidenciar a importância da conscientização socioambiental que o Farol da Bahia buscou a perspectiva de especialistas e devotos envolvidos nesta que é uma das datas mais esperadas do calendário baiano. Produzimos ainda um podcast que abordou este assunto. Confira aqui

Tradição centenária

Foto: Sayonara Moreno/Agência Brasil

Consolidada como a maior celebração da cultura afro-brasileira do Estado da Bahia, a festa de Iemanjá completa, em 2024, 101 anos desde a sua primeira realização. Reconhecido em 2022 como patrimônio cultural de Salvador, o cortejo realizado no meio do mar com várias embarcações vem sendo promovido desde a década de 1920.

De acordo com o jornalista, escritor e pesquisador, Nelson Cadena, a festa, que iniciou oficialmente no ano de 1923, passou por várias transformações ao longo dos anos. "Nós já tivemos três festas: a primeira festa era a festa que se chamava de Romaria dos Jangadeiros, que é a mais antiga de todas e era realizada em meados do século 19. Depois da da festa do Jangadeiro, nós temos a festa de Nossa Senhora de Sant'Ana, que prevaleceu até 1971, e, em paralelo, surgiu a festa de Iemanjá. Tudo indica que ela surgiu em 1923. Ou seja, ela estaria comemorando neste ano cem anos".

A tradição teve origem entre os pescadores da capital baiana, principalmente no bairro do Rio Vermelho, que decidiram oferecer presentes à divindade das águas na esperança de que ela pudesse resolver a escassez de peixes. No entanto, o pesquisador esclarece que, antes da realização da festa, o culto à divindade Iemanjá já existia na cidade desde o final do século 19.

"Aí tem que distinguir duas coisas: o que é o culto de Iemanjá e o que é a festa de Iemanjá. O culto à Iemanjá é mais antigo: ele data do final do século 19 e não era realizado no Rio Vermelho. O território do culto de Iemanjá era na Cidade Baixa, atrás do  Monte Serrat, uma prainha que ainda tem lá. Era ali que era feita a oferenda, ali se reunia somente o povo de santo da Bahia. Essa festa, era uma festa, assim, fechada, digamos. Tinha que ser fechada também porque tinha muita repressão das autoridades para tudo que fosse candomblé, umbanda e tudo que tivesse relação com os terreiros", explica o pesquisador.

Mas foi a partir da década de 1960 que a festa ganhou consolidação e popularidade. "Depois de 1967 em diante, a festa de Iemanjá passou a ser a principal. Porque ela conviveu muito tempo com a festa de Nossa Senhora de Sant'Ana. Tanto que se você pegar os jornais da década de 1960, você vai ver uma grande cobertura da festa da Igreja de Sant'Ana e algumas notas pequenas, uma ou outra matéria sobre a festa de Iemanjá. Mas depois ela passa a ser a festa principal. [...] Então, a partir dessa década de 1960, principalmente de 1967 em diante, é que a festa de Iemanjá ganha a força e a popularidade que ganhou até hoje", complementa Cadena.

Fé e ancestralidade

Foto: Divulgação

Todo dia 2 de fevereiro, o cheiro do mar se confunde com o da alfazema, na praia do Rio Vermelho. Yemoja, Janaína, Mãe d’Água, Dandalunda, Rainha do Mar. São muitos os nomes para celebrar a mãe de todos os orixás: os paridos, como Oxóssi, e os acolhidos, como Xangô.

O ritual de todos os anos segue a tradição de agradecimento pela fartura que vem da água salgada. Depois, são abertas “as portas do mar”, para quem vai oferecer presentes a Iemanjá. Pelas práticas das matrizes africanas, se ele afundar é porque foi aceito por ela. Caso contrário, quer dizer que a dona do mar rejeitou a oferenda.

A tradição de pedir bênçãos acompanha outra prática conhecida: a fila de devotos para fazer oferendas na Colônia de Pescadores. É dali que a maioria dos presentes, incluindo muitas flores, é lançada ao mar.

Também há quem prefira levar as oferendas por conta própria, para realizar suas preces ao orixá com mais intimidade. Em seguida, segue-se outro ritual conhecido de renovação da fé: descer a escadaria, pisar na areia e chegar à beira da água. Os pescadores, como sempre, aguardam os devotos na praia para levá-los mar adentro.

Toda essa tradição já está enraizada na vida de muitos turistas e baianos. E não é diferente com o jornalista Mário Jorge, que, ano após ano, faz questão de cultivar essa tradição familiar. "Para mim, tudo isso chegou como uma herança. Quando dizemos que o candomblé é ancestral, é por conta disso. A família por parte de minha mãe é toda de candomblé, com casos de pessoas que foram pais e mães de santo. Além de mim, meus pais, tios e primos também celebram o dia 2 de fevereiro. Na minha comunidade, festejamos Iemanjá também em outros dias, mas no dia 2, é impossível não sentir a magia da data”, conta.

Mário Jorge destaca ainda que os atos do dia 2 de fevereiro vão muito além de simples festejos, mas representam um grande ganho social para toda a comunidade. "Para além do valor religioso para a comunidade de pescadores do Rio Vermelho e alguns outros redutos de axé, para outra parte do povo de santo, o 2 de fevereiro tem um valor social [...] Iemanjá é um orixá de pele preta e não tem qualquer relação com as santidades da igreja católica. Em tempos de combate à intolerância religiosa e crimes de ódio ao sagrado afro-brasileiro, a data se estabelece como um importante e grandioso ato político em prol de todas as religiões de matriz africana", complementa.

Nem tudo são flores

Foto: Fabio Pozzebom/Agência Brasil

No momento da mais profunda emoção, muitos podem até não se atentar para isso, mas as toneladas de presentes compostos por materiais que não se degradam atirados no mar para Iemanjá poluem, e muito, o ambiente marinho. O gesto, para muitos inofensivo, causa um grande impacto para todo o ecossistema, prejudicando, principalmente, os animais aquáticos, que acabam por confundir os itens com comida.

Mesmo que modestas campanhas de conscientização tenham sido realizadas há algumas décadas por prefeituras e organizações em todo o Brasil, é assim que, há mais de cem anos, em todo dia 2 de fevereiro, os devotos reverenciam a rainha do mar.

São balaios de isopor cheios de flores, frascos de perfume, garrafas de champanhe, velas, espelhos, bijuterias, bonecas, pentes e uma infinidade de artigos despejados de embarcações, em alto mar, ao longo da costa litorânea. Segundo especialistas, tais ações promovem a poluição marítima, cujas consequências são irreversíveis, inclusive, para a saúde humana.

De acordo com a bióloga, PhD em Ecologia, Marcela Marega Imamura, diversos são os impactos relacionados ao descarte indevido de resíduos sólidos. “Os principais que podemos destacar são a contaminação da água e do solo e ameaça à vida marinha. Produtos químicos presentes nos resíduos contaminam, prejudicando a fauna e a flora. Além disso, o lixo acumulado também representa riscos diretos à nossa vida e à saúde pública, já que há a presença de materiais cortantes ou perfurantes, além de resíduos tóxicos”, alerta a especialista.

Marcela ainda dá dicas para quem deseja aproveitar a tradição, mas sem impactar tanto a natureza. “É preciso que haja conscientização. As pessoas precisam se cobrar com algumas simples perguntas, como: ‘qual a forma mais adequada de cultuar sem agredir o meio ambiente?’ A resposta para ela? Apostar em produtos biodegradáveis, como conchas, pedras, flores e frutas”, aconselha.

Ela ainda complementa. “Outra dica é utilizar alternativas sustentáveis para velas, incensos e glitters. Para as velas, opte por velas feitas de cera de abelha, soja ou outras opções naturais, em vez de velas à base de parafina. Da mesma forma, escolha incensos naturais em vez de produtos químicos prejudiciais. E quanto aos brilhos, troque por aqueles biodegradáveis. O glitter ecológico é feito com base de mica, que é brilhante e não agride a natureza!”.

E lembre-se: a conscientização precisa durar não apenas no dia 2 de fevereiro, mas durante os 365 dias do ano. “É fundamental reconsiderarmos nossos hábitos de consumo e procurar opções que causem menos impacto ambiental. Em locais praianos, como Salvador, onde as pessoas estão sempre aproveitando as areias das praias, a dica é sempre gerar o mínimo de lixo. E quando gerá-los, leve-os para um local de descarte adequado, e se possível, observe seu entorno e colete além do que gerou”, finaliza.

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