Gestantes que precisam viajar para o parto enfrentam maior risco de mortalidade infantil
Mães do Norte e Nordeste possuem maior risco em comparação às do Sul e Sudeste
Foto: Pixabay
Diariamente inúmeras gestantes precisam viajar para realizar consultas médicas, exames e até para o parto. Uma pesquisa do Centro de Estudos Empíricos em Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-CEEE) constatou uma chance maior de mortalidade durante as viagens, ao analisar o impacto que elas têm para o parto podem ter em desfechos de saúde nos bebês recém-nascidos. O estudo também alerta para a necessidade de criar políticas públicas que venham a melhorar esta situação.
A pesquisa constatou que 31% das mães do Brasil viajam uma média de 59 km para realizarem o parto. Devido a esses trajetos, a probabilidade de mortalidade é 0,5 ponto percentual maior para crianças cujas mães viajaram para dar à luz. A pesquisa também demonstra que a distância percorrida pelas mães vem aumentando nos últimos anos, ao comparar o período de 2006 a 2017.
Além disso, a probabilidade de mortalidade é cerca de 2 pontos percentuais maior para crianças cujas mães percorreram mais de 100 km, quando comparadas com aquelas que viajaram não mais que 50 km. De acordo com o levantamento, o mais preocupante nesta situação, é que esse risco aumenta progressivamente. Estima-se que, entre as mães que viajaram para o parto, a cada 10 km adicionais de deslocamento, há um incremento na taxa de mortalidade em torno de 0,10 mortes por mil nascidos vivos.
Para encontrar os resultados, o projeto utilizou diversas bases de dados administrativas de saúde do Brasil, junto com modelos de regressão para dados de painel, com o objetivo de investigar o efeito da distância percorrida para o parto sobre a mortalidade infantil.
Barreiras de acesso
O coordenador do FGV CEEE Valdemar Pinho Neto, que liderou o estudo, contextualiza que cerca de 30% do total dos nascimentos no Brasil acabam acontecendo em municípios diferente do município da mãe. “Esses dados ilustram um problema de saúde pública, tendo em vista que algumas mortes ocorridas devido aos longos trajetos poderiam ter sido evitadas”.
Ainda que a disponibilidade de estabelecimentos de saúde do SUS, adequada para atenção perinatal, tenha melhorado entre 2007 e 2021, Pinho Neto é categórico ao afirmar que o Sistema Único de Saúde tem como princípio ofertar um serviço igualitário, porém a geografia do país dificulta que o acesso aos serviços de parto ocorra de maneira equitativa.
“Não há hospitais disponíveis em uma localização próxima dessas mães, que acabam tendo menos condições de acesso em relação a outras. Além disso, nossa pesquisa constatou duas questões relevantes, a primeira é que os nascimentos têm acontecido cada vez mais em estabelecimentos do SUS com maior capacidade tecnológica e infraestrutura, e a segunda é que distância para esses estabelecimentos de saúde é muito maior do que a distância para os demais estabelecimentos. Então, o desafio do SUS não é somente garantir que as mães acessem aos serviços de saúde, mas que esses serviços tenham os recursos necessários para brindar uma atenção de qualidade”.
De acordo com o pesquisador, o problema relacionado ao deslocamento das mães é ainda mais crítico se forem observadas as desigualdades por regiões, visto que a frequência de mães que precisam sair de seus municípios, devido ao parto, é ainda maior no Nordeste do país. Em Pernambuco, por exemplo, cerca de metade das mães do Estado costumam sair da cidade onde moram e parir em outra cidade.
No Norte embora o deslocamento seja menos frequente, é necessário olhar a situação tendo em vista que os estados nortistas costumam ter grandes municípios, e como o próprio Pinho Neto alerta, a distância percorrida chega a ser absurdamente alta.
“Se uma mãe mora a cerca de 150 km de um hospital, ela e o gestor de saúde local precisam decidir se realizam o parto no município com as condições mais básicas que possuem, ou tomam a decisão de viajar, algo que pode também trazer consequências não só sobre o nascimento da criança, mas também para a saúde materna. Esses padrões demonstram uma complexidade inerente que nos exige olhar para todas as dimensões”.
Por outro lado, as viagens para o parto costumam ter trajetos menores para as gestantes do Sul e Sudeste, que contam com uma rede, em geral, mais estruturada e com direcionamentos dentro das microrregiões de saúde estabelecidas, que recebem pacientes dos municípios arredores.
“Nessas duas regiões, as redes hospitalares de maternidade estão melhor distribuídas e as pessoas não costumam viajar tanto”, disse o professor ao complementar que esta é uma reflexão importante, visto que a estrutura do SUS foi criada para atender a todos os brasileiros de forma igualitária, mas que a distância geográfica é um dos fatores que impedem este ideal de ser concretizado por completo.
O estudo demonstrou também que a proximidade dos estabelecimentos do SUS com melhor infraestrutura reduz a mortalidade infantil em gestações de alto risco, mesmo depois de isolar efeitos de outros fatores de risco e sociodemográficos. Pinho Neto acredita que a relação entre as distancias percorridas pelas mães e a mortalidade infantil, no Brasil, é complexa, mas pesquisas como esta podem alertar e orientar a criação de políticas públicas.
Risco adicional
“Se por um lado, viajar 50 km geralmente não é o suficiente para se deslocar até outro município no Norte, do outro, há polos hospitalares que permitem que mães tenham um melhor acesso em determinadas regiões. É preciso que gestores públicos levem esses dados em consideração na hora de tomar suas decisões e repensar políticas para diminuir mortes infantis que poderiam ser evitadas”.
Dados recentes sobre a mortalidade infantil demonstram que a maior parcela das mortes ocorre até um ano de vida, configurando cerca de 11 mortos, por 1000 nascidos vivos. “A maioria dessas mortes acontecem nos primeiros dias de vida e por causas evitáveis”, destacou Pinho Neto.
O professor também comenta que os longos trajetos realizados pelas gestantes costumam ser acompanhados de situações de estresse, esperas e filas, na busca pelo tratamento adequado. Este fator faz do próprio deslocamento um risco adicional, mesmo em gestações e partos que, a princípio, possam ser de baixo risco.
“Em nossas conversas com gestores de saúde e mães que precisaram se deslocar, já ouvimos diversos tipos de relatos. Algumas mães, por exemplo, viajam na véspera do parto para outro município, outras se hospedam em casa de amigos ou conhecidos, e além dessas condições, algumas ainda costumam esperar começar as contrações para iniciar a viagem”, detalhou Pinho Neto.