Governo Lula se prepara para responder a possíveis tarifas impostas por Trump
Governo está mapeando os setores mais afetados pela guerra comercial deflagrada por Trump
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil | Divulgação/Casa Branca
A pedido do vice-presidente Geraldo Alckmin, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior elabora um mapeamento dos setores mais afetados pela guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A análise elenca medidas que o Brasil poderá adotar, caso a caso, para reagir a uma possível elevação das tarifas pelos norte-americanos.
O levantamento leva em consideração efeitos colaterais que uma reação em um determinado setor pode gerar para outras áreas de exportação e até mesmo para o mercado interno. Paralelamente, o governo quer acelerar o processo de busca de novos mercados como contraponto ao tarifaço global de Trump. Procurada, a pasta negou que esteja realizando "qualquer levantamento sobre o tema".
A estratégia dos gabinetes em Brasília que tratam de relações comerciais tem sido a de cautela e silêncio, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse publicamente mais de uma vez que o Brasil reagirá caso Trump imponha tarifas sobre os produtos brasileiros.
"Se ele [Trump] taxar os produtos brasileiros, haverá reciprocidade do Brasil em taxar os produtos que são exportados [ele se referia aos importados] para os Estados Unidos. Simples, não tem nenhuma dificuldade", disse.
Entre os técnicos ouvidos pela Folha, ninguém duvida que o Brasil poderá virar alvo de Trump em um segundo momento. A ordem agora é não atrair atenção para "não ser lembrado" pelo novo governo dos EUA.
Além de medidas de elevação das tarifas, o relatório preparado pelo time do vice-presidente avalia os instrumentos que o Brasil pode mobilizar para orientar a sua ação, como salvaguardas e suspensão do regime chamado ex-tarifário, que reduz temporariamente o Imposto de Importação para determinados produtos.
No cenário internacional mais adverso, técnicos do governo avaliam ainda que o Brasil também terá de traçar novas estratégias, usar o seu mercado interno para absorver produtos, além de ampliar o diálogo para aprofundar as relações comerciais, políticas e diplomáticas com os países dos Brics, sobretudo China, Rússia e Índia.
Há uma percepção de que Pequim vai buscar o fortalecimento da sua indústria e, ao mesmo tempo, tentar estimular as relações com seu principal parceiro comercial na América Latina.
Com o estudo, o Brasil pretende mensurar de antemão o impacto de medidas de retaliação e de um eventual contra-ataque dos Estados Unidos. A ideia é avaliar, por exemplo, se eventual retaliação pode acabar tendo um custo maior para as empresas brasileiras.
Um técnico reconheceu que fazer o levantamento dessas correlações de forças é um trabalho complexo. Todos os cenários estão sendo avaliados pelo governo.
Um exemplo: com o nível de capacidade instalada da indústria nacional em patamar mais elevado, o Brasil precisa investir em máquinas e equipamentos. Nesse caso, qualquer ação que impeça a entrada de máquinas, equipamentos e insumos dos Estados Unidos pode atrapalhar a indústria nacional.
Os setores de aço, máquinas e equipamentos, carne e combustíveis estão na lista dos que podem ser mais prejudicados. O Brasil exporta petróleo bruto aos EUA e importa petróleo refinado, além de ser muito dependente das empresas americanas de semicondutores.
O ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, Welber Barral, recomenda prudência. Ele lembra que o Brasil já atuou contra os EUA em 2009 em uma disputa no setor de algodão. "Naquele momento foi muito difícil para o Brasil aplicar a retaliação justamente porque grande parte da importação dos Estados Unidos é importante para a indústria brasileira", afirma o sócio da consultoria BMJ.
Naquele episódio, o Brasil foi autorizado a retaliar produtos dos EUA de forma cruzada, na área de propriedade intelectual. A medida permitia que o país quebrasse patentes do setor farmacêutico americano, ponto considerado importante para que fosse alcançado um acordo de compensação.
No dia 1º de fevereiro, Trump assinou uma ordem executiva impondo tarifas de 25% sobre produtos importados do México e do Canadá, e de 10% sobre os da China. Após acordo, os EUA suspenderam por um mês a taxação contra mexicanos e canadenses.
Em resposta à tarifa adicional imposta por Trump sobre todas as importações chinesas, Pequim impôs na última terça (4) tarifas sobre importações dos EUA, renovando a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.
O ex-secretário destaca que a retaliação chinesa a Trump até agora foi muito pontual, afetando principalmente alguns minerais e produtos que são importantes para os EUA.
"Caso a China adote retaliações em outras áreas que o Brasil seja competitivo, isso poderia aumentar a exportação brasileira para a China", prevê. Ele explica que Pequim fez retaliação direcionada a certos minerais críticos, muitos dos quais são usados na produção de armas e de produtos de alta tecnologia.
"A China quis mostrar aos Estados Unidos que pode provocar um dano nas cadeias produtivas americanas e isso aparece, do ponto de vista chinês, como um convite à negociação", diz.
Para Barral, Trump sinalizou que o próximo alvo será a União Europeia e o fato de o Brasil ter acumulado déficits em seu comércio com os EUA mantém o país fora da mira em um primeiro momento.
Ele considera que, no caso do Brasil, as exportações de ferro e autopeças podem ser afetadas. "O Brasil exporta bastante peças de ferro [para os EUA]. Isso poderia afetar bastante a indústria brasileira." No caso das autopeças, o problema é com a retaliação americana aos produtos do México. As autopeças brasileiras são usadas na fabricação de automóveis que são exportados para os Estados Unidos", afirma.
Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, mas seguem como principal destino para as vendas de produtos com maior valor agregado.
Os principais produtos exportados pelo Brasil para os EUA são petróleo bruto, produtos semi-acabados de ferro e aço; e aeronaves. Entre os importados, os principais itens comprados são motores e máquinas não elétricos, óleos combustíveis de petróleo e aeronaves.
No acumulado de janeiro a dezembro, as exportações para os EUA cresceram 9,2% e atingiram US$ 40,33 bilhões, já as importações tiveram avanço de 6,9%, totalizando US$ 40,58 bilhões.