Política

Governo tem potencial de influência em 78 cadeiras de conselhos de empresas abertas

Dos 241 assentos em 31 empresas com registro ativo na CVM e participação acionária da União Federal ou de estatais, 32,4% podem ser usados

Por FolhaPress
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Governo tem potencial de influência em 78 cadeiras de conselhos de empresas abertas

Foto: Ricardo Stuckert / PR

Com as seis cadeiras que garantiu no conselho de administração da Petrobras, nesta quinta (25), o governo tem um potencial de influência em ao menos 78 cadeiras de conselhos de administração de companhias com capital aberto, segundo mapeamento feito pela Folha.

Dos 241 assentos em 31 empresas com registro ativo na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e participação acionária da União Federal ou de estatais, 32,4% podem ser usados como instrumento do governo.

Uma lista inicial com as participações da União em companhias abertas feita pela L4 Capital, a pedido da reportagem, baseou o levantamento.

A pesquisa foi complementada com dados da CVM, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), da Previ e da Petros —fundos de pensão do Banco do Brasil e da Petrobras, respectivamente, além de informações cedidas pelas empresas.

Essas 78 cadeiras mapeadas englobam alguns conselheiros indicados durante o governo anterior, como é o caso da Eletrobras. Nesses casos, há um potencial instrumento de poder da gestão atual quando o mandato deles acabar.

Apesar do possibilidade de influência da União em um dos mais altos níveis de hierarquia na tomada de decisão das companhias, especialistas reforçam que, quando as indicações seguem critérios técnicos e respeitam a governança da empresa, isso não é um problema.

A questão é que os políticos muitas vezes utilizam essas cadeiras como instrumento de poder na barganha por cargos ou então para impor uma agenda econômica de governo em setores que são caros àquela gestão.

Uma das estatais que mais possuem uma fatia do capital social de companhias é o BNDES, banco de desenvolvimento brasileiro. Ex-presidente da instituição, Paulo Rabello de Castro pondera que há um mundo ideal em que o banco público sempre preenche a cota a que tem direito com nomes cujos currículos possam justificar sua indicação.

"No caso de empresas investidas, como aquelas onde a BNDESPar [braço de investimentos do BNDES] detém parte acionária, tal indicação técnica precisa ser ainda mais rigorosa", defende Castro.

"O governo não só pode como deve indicar nomes da confiança do acionista público, desde que obedecida essa orientação ideal. Mas, na prática, a realidade às vezes se afasta perigosamente do ideal", completa.

Justamente por isso a advogada especializada em governança corporativa Nair Saldanha, sócia do Madrona Fialho Advogados, é mais radical e acredita que empresas privadas não devem ter nenhum integrante do governo em sua administração.

"Não acho isso saudável. A pessoa indicada acaba tendo um contato muito íntimo com estratégias de negócios, mas levando consigo um olhar estatal. Acho isso ruim inclusive por questões de compliance, porque envolve riscos de corrupção", diz Saldanha

Ela argumenta ainda que o governo precisa ser imparcial com todas as empresas mas, quando nomes de dentro da gestão pública ocupa espaços em companhias privadas, a União pode conferir um tratamento diferenciado a algumas em detrimento de outras.

Certos casos recentes exemplificam bem esse desvio do que seria o cenário ideal para as empresas traçados pelos especialistas. A Tupy, multinacional fabricante de peças para veículos e máquinas, que possui ações negociadas em Bolsa, recebeu no início do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a indicação de dois ministros do governo.

Anielle Francisco da Silva (ministra da Igualdade Racial) e Carlos Lupi (da Previdência Social), embora não possuam experiência técnica no currículo com o segmento onde a Tupy atua, eles ocupam duas cadeiras no conselho, que ainda é preenchido por mais um nome indicado pelo BNDES. Outros três nomes foram encaminhados pela Previ, o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil.

Ou seja, de um total de nove cadeiras, seis estão com o BNDES, que possui 28,2% das ações da Tupy, e com a Previ, que detém uma fatia de 24,8% do capital social da companhia.

Outro caso polêmico é o da Naturgy, que controla as distribuidoras de gás CEG e CEG Rio.

Das 11 cadeiras no conselho de administração da companhia, 4 são ocupadas por ministros ou secretários do governo Lula: Celso Amorim, assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República; José Mucio Monteiro, ministro da Defesa; Ricardo Capelli, presidente de agência do Ministério da Indústria; e Silvio de Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Mais uma ministra ocupa cadeira de outra empresa aberta: Nisia Trindade (da Saúde) está no conselho de administração da BRQ, companhia que desenvolve soluções tecnológicas para grandes empresas brasileiras.

Procurado, o BNDES disse que as indicações de "lideranças dos setores público e privado para conselhos de administração busca levar experiência às instâncias estratégicas dessas empresas, em seu melhor interesse, sem descuidar dos interesses do BNDES e do seu controlador. Além disso, atendem às regras legais aplicadas ao mercado de capitais", diz o banco.

A instituição frisou ainda que a legislação prevê que os conselhos sejam formados por diversidade de conhecimentos, experiências, comportamentos, aspectos culturais, faixa etária, étnica e de gênero.

No caso da Previ, por ser um fundo de gestão de recursos de terceiros, é comum que possua uma participação maior em algumas empresas, o que lhe dá direito a deter uma cota das cadeiras dos conselhos.

Gestores costumam ser ativos em empresas que eles acreditam na tese e investem, para defender os interesses como acionistas minoritários e, assim, garantir ao final a valorização das ações e trazer os resultados esperados pelas pessoas que depositam seus recursos nesses fundos.

A advogada Nair Saldanha frisa que tanto BNDES como Previ têm direito de assumir função de liderança nessas companhias que elas apostam com seus investimentos.

O problema é quando o governo usa a Previ como instrumento de influência em uma companhia privada. O caso mais recente é o da Vale, que tem sofrido pressões do presidente Lula para colocar nomes de sua confiança no conselho e até no comando da mineradora.

Dos 13 integrantes que tomam decisões importantes no colegiado da Vale, 2 foram indicados pela Previ, e são esses nomes que contribuíram para provocar um racha no processo de sucessão da mineradora recentemente.

Procurada pela reportagem, a Previ disse em nota que seus indicados nos conselhos de empresas passam, obrigatoriamente, pela "Seleção de Conselheiros da Previ".

"O processo existe há mais de 20 anos e é público, com edital divulgado no site da entidade. Após o processo seletivo, os indicados também passam pelos ritos de governança da Previ, com aprovação pela diretoria executiva e pelo conselho deliberativo", diz

"Ao selecionar os conselheiros que vai indicar, a Previ está, em última análise, escolhendo profissionais que terão um papel decisivo para o futuro de seus associados. Afinal, os investimentos realizados pela Previ são com foco na missão da entidade, de garantir o pagamento de benefícios e prover soluções que proporcionem proteção aos seus mais de 200 mil associados e familiares", completa.

Para Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES, quando os conselheiros são escolhidos tecnicamente, sua influência é benéfica. Mas caso haja interesses políticos por trás, o poder de interferência do governo depende da porcentagem detida por ele das ações.

"Se a participação da União for majoritária, a única proteção contra oscilações de humor do governo seria aprovar um batelada de protocolos rígidos de governança. Costuma até funcionar, mas não é garantido", diz Castro.

Saldanha defende que haja um esforço coletivo, com um movimento orquestrado que envolvesse inclusive a B3, operadora da Bolsa de Valores de São Paulo, para criar regras para as políticas de indicação de membros em conselhos de companhias abertas e, assim, evitar uma participação tão direta de políticos na gestão dessas empresas.

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