Ilustração
Foto: Divulgação
Crônica
Existe uma Espanha que não conheci. Uma Espanha sem as percepções singelas e tão autênticas de dias radiantes. Faltou por lá a leveza dos sentimentos atônitos, um pouco bagunçados, mas ainda assim pulsantes. Durante as caminhadas vespertinas, a música simulava a saudades e cada pedrinha nas paredes apreciada com minúcia, tudo para fixar aquelas tardes na memória, como meus olhos fossem os seus e os seus viram uma Espanha diferente.
Como uma “primavera dos povos”, aqueles foram dias em que a grande novidade no mundo era a felicidade em exaustão. Foi uma notícia que você recebeu há léguas de distância de uma ilustrada Espanha, como se recém-saída da idade das trevas e extasiada com a capacidade de revolucionar mentalidades. Um país como ser humano, o indivíduo impactado pela terra.
As tardes, principalmente as tardes foram sentidas com entusiasmo, mas que para você eram as manhãs. Enquanto você acostumava os olhos e as mãos para os primeiros trabalhos do dia, eu conhecia a Espanha por você e descobria lugares que você teria dificuldade para apontar como o preferido de todos os tempos.
Primeiro sentir-me imune à desgraça para, em seguida, ter o mundo em meus ombros. E foi preciso segurá-lo, quase que de joelhos, até mesmo quando você o esmurrava, o que também me dilacerava. As muralhas ruíram, as pontes caíram e a terra foi queimada. O mundo, sustentado pelas minhas tremulas mãos, sucumbia a ponto de destronar heróis e tiranos, trabalhadores e exploradores. De repente, todos eles choraram.
Era a Guernica, de Picasso, materializada. Era como se a alma Jeanne, de Modigliani, tivesse esvaecido. Era Rembrandt sem o fogo da ideia. Era Van Gogh sem Theo. Era, acima de tudo, eu sem você.