Médicos alertam para uso abusivo de vitamina D para suposta prevenção a Covid-19
Uso de medicamento sem comprovação efetiva de eficácia disparou desde o começo da pandemia
Foto: Reprodução/PebMed
O consumo de suplementos vitamínicos, em especial a vitamina D, cresceu expressivamente durante a pandemia. Embora a suplementação seja necessária em casos específicos, especialistas alertam para o uso sem orientação médica, que tem risco de intoxicação. Também reforçam que não há comprovação científica para o uso dos suplementos no tratamento contra a Covid-19.
"As pessoas acham que não há risco, mas já presenciei pacientes com problemas graves e até morte, por conta do aumento de cálcio na urina e no sangue, podendo levar a cálculo e crise renal. (A suplementação arbitrária) não é isenta de risco", diz o diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e hefe do setor de osteometabolismo do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Miguel Madeira.
Em 2019, 2,6% da população brasileira consumia vitamina D. Em 2020, esse número passou para 4,8%. Em números absolutos, mais de 4,6 milhões de pessoas passaram a fazer a suplementação, segundo dados da indústria farmacêutica. Em comparação com outros países, o mercado nacional ainda é tímido, equivalendo a cerca de 20% do americano. O problema é o que parece ser a crescente aposta na ilusão de uma maior proteção contra a Covid-19.
A vitamina D é responsável pela saúde óssea, mas vem sendo apontada como um fator que ajudaria a melhorar o sistema imunológico e, consequentemente, a capacidade de enfrentar a Covid-19. Lógica semelhante tem sido aplicada para outros compostos que vêm sendo suplementados, como vitamina C, magnésio e zinco.
No entanto, o diretor da SBEM lembra que não há estudos em larga escala ou conclusivos sobre o tema. Madeira pondera ainda que o contexto da pandemia, com muita gente evitando sair de casa, pode provocar queda na produção da vitamina D, por falta de exposição solar.
"A pessoa se expõe menos ao sol e, consequentemente, pode ter níveis mais baixos, especialmente pessoas mais velhas, que já não têm capacidade de manter níveis adequados. Nesses casos, podem precisar de suplementação, mas jamais de forma indiscriminada", afirma.
Estudos
O geriatra Alberto Frisoli, professor da Unifesp, comanda pesquisa clínica no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, cujo objetivo é avaliar se há relação entre falta de vitamina D e Covid-19 em idosos. Dos 201 pacientes estudados, 54% estavam tomando vitamina D. Muitos já tinham níveis adequados da vitamina e um deles apresentava nível acima do recomendado.
Os resultados, que ainda não foram publicados, surpreenderam o geriatra: o nível da vitamina D parece estar relacionado a benefícios para os pacientes mais velhos que enfrentam a Covid-19. No estudo, quem tinha menos de 24 ng/mL da vitamina apresentava um risco seis vezes maior de ficar mais de 17 dias hospitalizado e três vezes mais risco de intubação.
Mas Frisoli desaconselha as pessoas a fazerem suplementação por conta própria, frisando que não há solução milagrosa contra a doença: "Antes de suplementar a vitamina D é preciso, sim, buscar orientação médica ou há risco do uso indiscriminado e, com isso, intoxicação. Não podemos criar fantasias sobre medicamentos", afirma Frisoli.