Mercado prevê BC mais conservador, com menor ritmo de corte de juros e pausa no radar
Uma parcela do mercado passou a trabalhar com a perspectiva de um corte de 0,25 ponto percentual em maio
Foto: Marcos Santos/USP
A avaliação de que o Banco Central adotará uma postura mais conservadora nos rumos da taxa básica de juros ganhou força no mercado financeiro nos últimos dias, com maior expectativa de desaceleração do ritmo de queda da Selic e pausa à frente no radar.
Entre os agentes econômicos, cresceu a aposta de que o Copom (Comitê de Política Monetária) não ficará preso ao compromisso de promover uma nova redução de 0,5 ponto percentual -conforme sinalizado em março- e vai diminuir o passo já no próximo encontro, nos dias 7 e 8 de maio, diante de uma conjuntura global e doméstica de maior incerteza.
Uma parcela do mercado passou a trabalhar com a perspectiva de um corte de 0,25 ponto percentual em maio, sobretudo após as declarações dadas pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, em uma reunião com investidores nos Estados Unidos.
No encontro, o chefe da autoridade monetária disse que toda prescrição de um "disclaimer", ou seja, que a indicação é reavaliada em mudanças substanciais no cenário. Ele ainda traçou quatro caminhos para o futuro do ciclo de política monetária.
Segundo o presidente do BC, um cenário de incerteza elevada, mas sem mudança significativa no quadro, poderia significar uma desaceleração no ritmo de cortes de juros.
Para Tony Volpon, ex-diretor do BC e professor adjunto da Georgetown University, a retirada do "forward guidance" (prescrição futura) foi uma decisão acertada. "Pressupõe um cenário básico com algum grau relevante de confiança, o que hoje não temos", diz.
Para o economista, o BC deveria trabalhar para "amortecer" a volatilidade do cenário. "Primeiro, deveria estar atuando no mercado de câmbio e, segundo, decidir que um movimento de queda da Selic seria contraproducente. Deveria fazer 0,25 [ponto percentual] de corte [em maio] e pausar o ciclo", afirma.
Volpon considera que o BC errou ao não ter aproveitado a janela de oportunidade aberta no fim de 2023 para flexibilizar mais os juros.
"Essa janela, claramente, se fechou. Se eles [membros do Copom] tivessem acelerado os cortes, já poderiam nessa situação sinalizar uma pausa. A gente estaria trabalhando com um piso de Selic menor", diz.
Para o ex-diretor, no atual cenário seria "extremamente imprudente" levar a taxa básica a um nível menor do que o piso de 9,5% ao ano. "Tem que cortar os juros quando pode, não quando quer. Faltou essa sensibilidade ao Banco Central", acrescenta.
Entre os fatores globais que provocaram o estresse do mercado nos últimos dias e fizeram o dólar escalar, está a perspectiva de juros altos por mais tempo nos Estados Unidos.
Na política doméstica, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterou a meta fiscal de 2025 para déficit zero, não mais superávit 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), conforme o PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) do próximo ano.
A moeda americana chegou a bater R$ 5,287 e registrou cinco sessões consecutivas de fortes altas. Nos últimos dias, contudo, o dólar recuou e terminou a sessão de sexta-feira (19) cotado a R$ 5,199.
Se o dólar permanecer em um nível mais elevado até as vésperas do próximo Copom, Andrea Damico, economista-chefe da gestora Armor Capital, vai revisar o cenário para um corte de 0,25 ponto percentual. Por ora, ainda projeta uma redução de 0,5 ponto em maio.
Segundo ela, a taxa de câmbio é o melhor termômetro para relacionar o grau de incerteza e a política monetária, e o momento é de muita volatilidade.
"Se a reunião fosse hoje, seria um corte de 0,25 [ponto]. Agora, acho que o Banco Central precisaria ver uma depreciação razoável adicional para ser zero", diz.
Damico vê a possibilidade de o colegiado do BC seguir nesse compasso de menor ritmo por mais de um encontro. No entanto, pondera que "se o câmbio ficar estabilizado no patamar de R$ 5,30, a probabilidade de cortar 0,25 [p.p.] e parar [em junho] é muito grande."
Para a Selic voltar a um dígito -hoje está fixada em 10,75% ao ano-, a economista vê necessidade de um câmbio mais apreciado.
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho de administração da Jive Investments, considera que, embora a situação dos EUA dificulte o trabalho da autoridade monetária na redução dos juros, a questão interna é a mais relevante para o estresse do mercado.
Ele vê a mudança da meta fiscal como uma sinalização de que o governo está "jogando a toalha" oito meses antes da virada do ano, o que leva à indagação sobre o tamanho do comprometimento da gestão petista com a sustentabilidade das contas públicas.
"Tem uma roupagem de que [os membros do governo] querem equilíbrio, mas, na prática, não é o que está acontecendo, pelo contrário. Teve um aumento de arrecadação, eles fizeram uma mudança para poder gastar mais. Isso, sem dúvida, atrapalha e muito o Banco Central", diz.
O ex-diretor do BC teme o impacto sobre as expectativas de inflação e vê como complicador o fato de os ativos brasileiros estarem "muito mal".
Apesar das ponderações, Figueiredo mantém a expectativa de corte de 0,5 ponto percentual em maio. "Depois fica em aberto. Ainda acho que a taxa [Selic] final vai para um nível entre 9% e 10% ao ano, mas será um dígito. Agora depende se a gente continuar nesse processo de deterioração", afirma.
Economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória também vê ainda como mais provável a manutenção do corte de 0,5 ponto percentual, seguido de uma desaceleração do ritmo de queda de juros em junho.
"A dinâmica inflacionária de curto prazo continua benigna e a piora nas condições financeiras globais deve contribuir para desacelerar a atividade [econômica], principalmente via crédito, que no Brasil ainda não tinha acelerado de maneira significativa", diz.
"Com isso, mesmo o câmbio estabilizando no atual patamar de R$ 5,20 não deve provocar uma mudança na trajetória de inflação suficiente para o Copom interromper o processo de queda", acrescenta.
Mas Vitória reconhece o risco de deterioração das expectativas de inflação nas próximas semanas em função da flutuação do câmbio e da fragilidade fiscal.
Na visão dela, o governo tem dado mostras de que não tem perspectiva de controlar gastos. "O reflexo são juros mais altos e um dólar que também se desvaloriza. O impacto disso é mais inflação", diz.
"Com o tempo, se a gente tiver uma deterioração maior das expectativas, seja porque o câmbio mudou de patamar e vai trazer um pouco mais de inflação, seja pelo que está sendo discutido pelo lado fiscal, o Banco Central pode desacelerar ou até mesmo interromper o corte de Selic, se esse cenário se confirmar."