Países se reúnem nesta semana para discutir taxação de navios sob sombra de Trump
Discussões, que podem desencadear em perdas econômicas para empresas exportadoras, devem ser tensas.
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Foto: Reprodução/Redes Sociais
Diplomatas dos países-membros da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) iniciam nesta segunda-feira (17) uma série de negociações em Londres para que seja detalhada a taxação sobre os gases de efeito estufa liberados por navios. As discussões, que podem desencadear em perdas econômicas para empresas exportadoras, devem ser tensas.
A IMO estipulou em 2023 a meta de zerar de forma gradual as emissões da indústria marítima até 2050. Até 2030, os navios precisarão reduzir em 40% suas emissões ante às de 2008. Hoje, segundo quem acompanha as negociações, a maior parte dos países já está de acordo de que isso só poderá ser feito a partir da precificação das emissões, mas não há consenso sobre como a taxação deve ser feita.
Brasil e União Europeia protagonizam a principal disputa sobre o tema. Os europeus querem que as taxações ocorram sobre todos os gases poluidores emitidos pelas embarcações, enquanto os brasileiros defendem que a cobrança seja feita apenas sobre as emissões que ultrapassarem uma meta pré-fixada.
O governo brasileiro calcula que a proposta europeia encareceria os principais produtos de exportação do país, o que contribuiria para a queda do PIB (Produto Interno Bruto). Isso porque, como as commodities mais vendidas pelo Brasil (soja, petróleo e minério de ferro) têm a China como principal comprador, os navios que atendem as empresas brasileiras tendem a percorrer rotas maiores e, consequentemente, estariam sujeitos a maiores taxações.
Um levantamento feito pela USP apontou que as economias emergentes exportadoras de commodities seriam as mais prejudicadas com a proposta europeia, enquanto alguns países desenvolvidos se beneficiaram da medida. Quando analisados os impactos por continente, a África seria a mais prejudicada, assim como as Américas do Sul e Central e sul e sudeste da Ásia. Os países europeus seriam os únicos a serem favorecidos.
A decisão final sobre qual será a proposta vencedora deve sair só em abril, mas quem participa das negociações diz que as reuniões desta semana serão decisivas para o alcance do consenso. Os encontros desta semana, que durarão até sexta (21), não estavam programados, mas os dissensos nas últimas reuniões obrigaram a IMO a agendá-los. Uma fonte disse à reportagem que as negociações de agora são a última pedra do caminho.
Hoje, o Brasil conta com o apoio de cerca de 20 países, entre eles China, Índia e Indonésia. Já a União Europeia, que sozinha reúne 27 nações, tem ainda o apoio dos chamados pequenos estados insulares em desenvolvimento, um grupo de 39 ilhas bastante afetadas pelo aquecimento global e que devem receber parte do valor arrecadado com a taxação. Em tese, a proposta vencedora é aquela que tiver o apoio de ao menos 70 países (dos 105 que participam da votação), mas em uma disputa diplomática outros fatores são levados em conta – como o peso dos apoiadores na economia global.
Os Estados Unidos, por exemplo, são historicamente reticentes em participar dessas discussões sob receio de serem prejudicados com acordos vinculantes. Até o ano passado, quando ocorreram as últimas reuniões, o país vinha sendo tímido nas negociações, ainda que, segundo uma pessoa que acompanha as negociações, tenha dado sinais de que apoiaria a proposta brasileira. Com Donald Trump, porém, o cenário pode mudar completamente.
Como o novo presidente americano é um forte crítico de medidas ambientais que penalizam a economia global, é improvável que a delegação americana se alie aos europeus, mas há quem estima que os EUA possam se afastar completamente das negociações e se recusarem a seguir qualquer decisão tomada durante os encontros.
Nesse caso, os americanos poderiam se rebelar contra países que resolvessem cobrar certificados de emissões de navios que transportam produtos americanos. Essa atitude seria um banho de água fria na ideia de precificar as emissões de carbono, visto a importância da economia americana na frota marítima – daí a importância de o consenso ser geral e não apenas de uma maioria.
Por outro lado, afastar-se das discussões poderia trazer consequências negativas para os produtores de combustíveis renováveis dos EUA, como o etanol de milho. Isso porque, após a decisão a ser protocolada em abril, os delegados se debruçarão sobre as contabilização de emissões de cada tipo de combustível. Assim, sem levar o acordo a sério, os americanos perderiam a oportunidade de influenciar a favor de seus combustíveis.
De qualquer forma, uma fonte disse à Folha que devido ao caráter político dessa disputa, é provável que os negociadores deixem por último a decisão sobre as propostas brasileira e europeia.
Um dos pontos que podem ser mais fáceis de serem discutidos é sobre o escopo da contabilização das emissões – ou seja, se os reguladores da IMO considerarão os gases emitidos apenas durante a queima do combustível ou desde a fabricação do combustível. Caso seja escolhida a segunda opção, no entanto, há possibilidade de produtores acusarem a organização internacional de taxar a produção local, em uma espécie de dupla tributação. A expectativa é que a decisão sobre esse ponto possa facilitar a formação de blocos em relação à disputa central.