Coronavírus

Perdas Covid-19: como elaborar o luto?

O Farol da Bahia conversou com a psicóloga Renata Matos, especialista em terapia de família, sobre o tema

Por Da Redação
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Perdas Covid-19: como elaborar o luto?

Foto: Reprodução / IG

O Brasil registrou 4.190 mortes por Covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando nesta quinta-feira (8), 345.287 vítimas desde o início da pandemia. Essa é a segunda pior marca em um dia até aqui. Os números são novo levantamento do consórcio de veículos de imprensa. O balanço é feito a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Com isso, a média móvel de mortes no país nos últimos 7 dias ficou em 2.818. Em comparação à média de 14 dias atrás, a variação foi de +17%, indicando tendência de alta nos óbitos pela doença. 

São aproximadamente 346 mil famílias vivendo as perdas dos entes pela doença. Em meio a dor e o sofrimento gerados por essas perdas, está o luto. Algumas famílias estão enterrando mais de um parente ao mesmo tempo vítimas da Covid-19. 

O Farol da Bahia conversou com a psicóloga Sistêmica Familiar, Renata Matos para entender como deve ser a elaboração deste luto.

Farol da Bahia: A Covid-19 tem levado à morte membros de uma mesma família. Se a dor de uma morte já é tão grande, como administrar tantas perdas ao mesmo tempo?

Renata Matos: Esse é o grande desafio da nossa sociedade neste momento. É importante dizer que não tem uma receita pronta que vai funcionar para todos mundo. As pessoas são únicas, as relações também. Quando eu perco alguém que eu amo, eu perdi aquela relação, aquele vínculo que é tão importante. A morte vai causar muita dor quando ela rompe com este vínculo que é tão significativo. Precisamos nos voltar para a nossa essência, se voltar as redes de apoios. A pessoa deve pensar o que lhe faz bem e nutrir de atividades que trazem bem-estar. 

FB: Como elaborar este luto?

RM: As pessoas precisam expressar o que estão sentindo para que possam encontrar novos significados para a sua vida, sem as pessoas as quais perderam. Esse é um processo muito doloroso, que leva tempo, e um tempo que não é cronológico, e esse é um processo de muito respeito e cuidado. As pessoas precisam respeitar a sua própria dor e pedir ajuda sempre que necessário. Sentir, expressar e encontrar novos significados para a vida, após as perdas. A elaboração do luto é individual. Requer tempo e pausas, bem difícil para uma sociedade que é muito agitada, que prega o prazer e a felicidade a todo custo. 

FB: Quais as fases do luto? Existe alguma diferença com relação a covid-19?

RM: Essa é uma ideia de Elizabeth Kübler-Ross que foi uma grande estudiosa no assunto. Essa fase do luto que ela traz, fala muito do processo de morrer. Que é diferente de quem fica, que vai ter que encarar este luto e a dor da perda. É importante falar que hoje nós não pensamos no processo de luto como fases. Pensamos no processo de luto como algo que é dinâmico. Algo que eu vou e volto o tempo inteiro. Volto ao passado, para aquela vida com a pessoa que perdi, com aquele vínculo, e venho para a vida atual, sem a pessoa. Processo dual de lidar com as emoções. Tem dias que estou bem, consigo dar conta de tudo, e tem dias que estou mais conectada com a tristeza e uma dificuldade maior de aceitação dessa perda. Quando falamos em Covid, não tem permitido que as pessoas que ficam possam viver esse processo do morrer, na maioria das vezes, a pessoa que está hospitalizada não veem os entes. Não podem se despedir, nem estar perto. Isso vem trazendo um diferencial no processo de luto. 

FB: Como ajudar um ente a elaborar o luto?

RM: É um processo que exige tempo, pausa, silencia, apoio, amor, afeto. Ajudar alguém a viver o processo de luto é se disponibilizar a estar ao lado de alguém que está sofrendo. Será que eu consigo escutar essa pessoa? Quando ela está triste, chorando, mais mobilizada, mais sensível, eu consigo acolher? Ou eu digo: “não, não, sai daí, temos que agradecer porque estamos aqui, a pessoa está melhor do que se estivesse aqui com a gente”, a maioria das pessoas faz isso sem uma intenção de machucar, de causar algum dano, mas causa. Quem está sofrendo só quer ser acolhido. Ajudar alguém a viver o luto é estar presente, poder fazer uma escuta real, dar apoio que o outro precisa, e não o que eu acho que ele precisa.

FB: O que é necessário que a pessoa faça para reagir a dor da perda?

RM: A tristeza, o pesar e o sofrimentos são reações a dor da perda. Temos que dar o direito ao outro de sentir a tristeza por ter perdido um vínculo tão importante, alguém que ele ama. Isso fala do quanto nós temos uma dificuldade em lidar com as nossas dores, ao sofrimento, e não conseguimos dar um suporte para que o outro lide com a sua dor e o seu sentimento diante da perda. É necessário dar o tempo ao outro, dar apoio, se fazer presente. Se disponibilizar: o que você precisa de mim, o que está precisando hoje, o que quer fazer? As vezes o outro só quer falar sobre a perda. Precisamos estar abertos para dar o colo. Por isso que precisamos falar da morte, da dor, fora desse contexto, pensar numa educação para a morte e teremos uma sociedade mais preparada. Isso não significa que as pessoas não vão sofrer. Como diz Parkes, “o luto é o preço que a gente paga pelo amor”. Falar de morte na verdade é falar da vida, do amor.


FB: De que maneira a psicoterapia pode auxiliar neste processo?

RM: Nem todo mundo que vai viver um processo de luto precisa da psicoterapia. Muitas vezes o suporte que a pessoa tem na sua vida já é o que ela precisa para enfrentar a situação. Na psicoterapia vamos desenvolver através das técnicas, depende de cada abordagem, mas o principal objetivo é ressignificar a vida da pessoa, sem a presença física daquele vínculo tão importante, pensando em linhas gerais. Porque a pessoa pode ter alguma especificidade, se já te, histórico de depressão, transtornos mentais, entre outros. Neste momento, pelo fato das pessoas não poderem estar vivendo as despedidas, que é importante para nós culturalmente falando, aí tem o indicador de lutos complicados lá na frente. Estamos vivendo uma situação bem específica e que exige da clínica um trabalho também específico. O psicólogo pode desenvolver estratégias de enfrentamento, pensar em rituais de despedidas que possam ser feitos, tudo muito contextualizado, com ética e cuidado, porque o outro está em extrema dor. 

Renata Matos é psicóloga Sistêmica e Familiar, idealizadora do Espaço Arvore´Ser. Professora de graduação e pós graduação. Supervisora clínica.
 

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