Pessoas com diabetes tipo 1 têm dificuldade de receber tratamento adequado na rede pública
A nova insulina é a glargina e substituirá a NPH, já não recomendada pelos médicos há anos
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Seis anos depois da aprovação da inserção nos serviços públicos pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias), o Ministério da Saúde afirma ter começado a distribuição da insulina análoga de ação prolongada para o tratamento de diabetes tipo 1. A nova insulina é a glargina e substituirá a NPH, já não recomendada pelos médicos há anos.
Apesar do avanço, há relatos de pacientes que não conseguem ter acesso aos insumos necessários para o tratamento adequado da doença, mesmo se disponíveis pelo SUS (Sistema Único de Saúde) ou conquistados via judicial. Na rede particular, os gastos somente com os insumos necessários podem variar de R$ 2.000 a R$ 5.000, a depender do tipo de tratamento necessário para o paciente e sem contar os custos de consultas com especialistas.
No Brasil, a lei 11.347, de 27 de setembro de 2006, determina que sejam disponibilizadas na rede pública insulinas de ação prolongada e rápida. Além delas, também é obrigatório o fornecimento de tiras para aferição de glicemia capilar, agulhas, lancetas e seringas.
Em relação à insulina análoga de longa duração que chega neste mês nos serviços públicos, vai depender de cada estado aderir ou não à medicação. "Os estados têm protocolos clínicos próprios e a gente tem essa grande divergência entre os estados da federação", diz a advogada de saúde Isabelle Gorayb.
O Ministério da Saúde afirma que, até o momento, somente seis estados solicitaram o envio da insulina conforme demanda local: Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e São Paulo; além de um pedido pendente do estado do Pará.
Existem também outras tecnologias, mais avançadas, que não têm a obrigatoriedade de serem disponibilizadas na rede pública, como os sensores de glicose e as bombas de insulina. Mas Gorayb explica que os estados e municípios também têm autonomia para decidir se incorporam ou não a distribuição dos sensores de glicose.
É nesse cenário que o judiciário entra para amparar os pacientes que necessitam de insumos específicos para sobreviver com a diabetes tipo 1 e não têm acesso, seja por falta nas unidades de saúde ou pela não disponibilização. "Hoje, nós conseguimos pedir todas as tecnologias e medicamentos disponíveis para tratamento de diabetes que sejam comercializadas no país e, consequentemente, tenham respectivo registro na Anvisa", diz a advogada.
Mas não é qualquer pessoa com o diagnóstico da doença que consegue recorrer a esse recurso. No caso do pedido dos insumos não disponibilizados obrigatoriamente pelo SUS, o paciente deve ter testado primeiro todos os insumos disponíveis e comprovar que eles não foram eficazes em seu tratamento. Além disso, também deve comprovar que a sua renda familiar é insuficiente para arcar com o tratamento por conta própria.
Gorayb diz que o processo judicial total pode demorar até três anos, mas desde a entrada do pedido até o recebimento de uma liminar para começar a receber os insumos antes do veredito final pode levar cerca de dois meses.
Se o paciente conseguir na Justiça o direito de receber os insumos necessários por meio do governo, a decisão é permanente. "A gente acaba tendo decisões referentes à saúde sendo tomadas por juízes, que são profissionais do direito, não da saúde", aponta a advogada.
Só que, na prática, o recebimento é mais complicado. A analista de mídias digitais Thais Mathias, 33, recebeu o diagnóstico de diabetes tipo 1 quando tinha 14 anos e, desde então, tem lutado pelos seus direitos e sofrido complicações por conta da doença.
Sozinha, ela não conseguia arcar com os custos dos medicamentos necessários e acabou desenvolvendo retinopatia diabética, que pode levar à perda da visão. Em 2023, Thais conseguiu, por via judicial, o parecer favorável para receber as insulinas, o sensor de glicemia e o I-Port, que é um dispositivo para aplicar a insulina sem prejudicar a pele, já que ela acabou desenvolvendo lipodistrofia (condição que altera a distribuição de gordura no corpo) pelas aplicações com agulhas.
"Só que, desde então, eu nunca recebi todos os insumos quando vou à farmácia buscar. Eu só recebo um ou dois, no máximo. E tenho que pegar vários", alega. "Normalmente, eles só me fornecem a insulina de longa duração". Ou seja, Thais não recebe nem o que está previsto por lei federal, como as lancetas e agulhas.
A solução que encontra é entrar com um pedido de sequestro de verba judicial para receber o valor dos insumos que utiliza. Ela recebe o dinheiro em sua conta pessoal, compra os medicamentos e depois encaminha o comprovante do uso da verba.
Solange Travassos, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, diz que "hoje a gente tem uma situação no país que se gasta muito em tratamento de complicações evitáveis, principalmente na população de baixa renda". Ela cita que uma pessoa com recursos financeiros para arcar com o tratamento vive cerca de 25 anos a mais e melhor do que aquelas que dependem do sistema público.
O Projeto de Lei (PL) 2.687/2022, que visava equiparar a doença a uma deficiência, poderia auxiliar na elaboração de políticas públicas que garantam o acesso da população a um tratamento eficaz. No entanto, ele foi vetado pelo presidente Lula em janeiro de 2025.
"Não tem nenhuma vantagem, o que a gente quer é equidade. É um investimento com um retorno social e financeiro garantido", comenta Travassos. Ela afirma que há casos que dependem de um tratamento de mais alto custo e, se não for oferecido, essa pessoa precisará de muito mais tratamento com as complicações.
Em pronunciamento, Neuton Dornelas, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, diz que "essas legislações garantem acesso à saúde adaptada, com insumos e tratamentos essenciais, além de proteção social que promove igualdade de oportunidades. Investir em um tratamento adequado para pessoas com diabetes tipo 1 não aumenta os custos do sistema; pelo contrário, reduz gastos futuros com complicações graves".
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde