Sobretaxa de Trump já impacta exportações de pescados, manga e carnes

Com cerca de 70% da produção nacional destinada ao mercado americano, a medida pode tornar o setor de pescados inviável até a abertura de novos mercados

Por FolhaPress
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Sobretaxa de Trump já impacta exportações de pescados, manga e carnes

Foto: Reprodução/Redes Sociais

A sobretaxa de 50% contra produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos anunciada pelo presidente americano Donald Trump na semana passada já está afetando setores produtivos do Brasil. A previsão é que a nova tarifa entre em vigor em 1° de agosto, e embarques de pescados, frutas e grãos estão sendo suspensos para evitar perdas.

Nesta terça-feira (15), o setor de pescados afirmou que vai suspender as exportações para os Estados Unidos dentro de uma semana devido à sobretaxa. Com cerca de 70% da produção nacional destinada ao mercado americano, a medida pode tornar o setor inviável até a abertura de novos mercados.

Durante reunião com representantes dos setores afetados pela possível sobretaxa e ministros, incluindo o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, o governo orientou as empresas brasileiras a mobilizarem seus compradores nos EUA.

Eduardo Lobo, presidente da Abipesca (Associação Brasileira da Indústria da Pesca), afirma que o setor tem pressionado o governo a negociar o adiamento da sobretaxa por, no mínimo, 90 dias. "Ninguém consegue abrir um novo mercado da noite para o dia. É uma relação complexa, que envolve hábitos alimentares, tipo de corte, produto e embalagem", diz.

A associação também cobrou do governo a retomada das negociações para reabrir o mercado comum europeu, fechado ao pescado brasileiro desde 2017. "Apesar da boa condução e dos encaminhamentos, Alckmin não se comprometeu a renegociar com a União Europeia para reabrir o mercado de pescados", afirma.

Com a ameaça de sobretaxa, ele estima que até 3.500 embarcações devem ser paralisadas, já que não há sentido em produzir ou processar peixe sem destino certo. Mais de mil toneladas de pescado já estão estocados em frigoríficos, à espera de uma solução, o que representa um valor estimado em cerca de US$ 50 milhões.

"Não há possibilidade de redirecionar a produção para o mercado interno, pois este está saturado e não tem capacidade de absorver a variedade e o volume destinados à exportação", diz.

Para Rafael Barata, diretor de comércio exterior da Frescatto, em meio à busca por novos mercados, a empresa ainda não sabe como lidar com o produto armazenado, que já está pronto para exportação.

NEGOCIAÇÕES DE MANGA SÃO SUSPENSAS

Na fruticultura, as exportações de manga do Brasil para os EUA tiveram negociações suspensas, segundo produtores.

O impasse causa preocupação porque a janela de embarques de manga para os Estados Unidos começaria justamente em agosto, prazo para as sobretaxas entrarem em vigor, indo até outubro. No Nordeste, polo da atividade no país, há quem fale em risco de quebradeira no setor.

A manga é a principal fruta in natura exportada pelo Brasil para os Estados Unidos, segundo a Abrafrutas (Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados). A laranja figura entre as principais mercadorias vendidas para o país, mas em forma de suco.

A associação confirma que recebeu relatos de paralisação nos embarques de mangas.

"Paralisou-se o processo de exportação, mas a fruta não espera. A fruta está madura, tem de ser colhida, e aí vão começar os problemas", afirma Luiz Roberto Barcelos, diretor institucional da Abrafrutas.

De acordo com Barcelos, os possíveis reflexos da sobretaxa vão muito além da perda direta de exportações para os Estados Unidos.

Sem os contratos com os americanos, o setor teria de buscar novos parceiros e direcionar parte do estoque de manga para o mercado interno.

Assim, a tendência seria de redução dos preços para o consumidor, mas com prejuízos financeiros para os produtores e riscos para os empregos na atividade, aponta Barcelos.

"Como é um produto perecível, o preço fatalmente irá cair muito, e o prejuízo vai ser grande para a produção de modo geral, não só para quem exporta para os Estados Unidos."

Segundo a Abrafrutas, uma parcela de 15,1% da produção de manga do Brasil foi direcionada para vendas internacionais em 2023, período mais recente com dados disponíveis. 

FRIGORÍFICOS DE MS SUSPENDEM PRODUÇÃO

Em Mato Grosso do Sul, frigoríficos suspenderam a produção de carnes destinadas aos EUA. A produção para o mercado nacional segue normal, e as empresas buscam mercados alternativos no exterior.

À Folha o vice-presidente do Sincadems (Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados de Mato Grosso do Sul), Alberto Sérgio Capucci, explicou que a medida foi tomada para evitar o acúmulo de estoques e que essa é uma tendência nacional, porque algumas das exportações devem chegar aos Estados Unidos somente em agosto, quando as tarifas já devem ser aplicadas pelo governo norte-americano.

"A maioria [de Mato Grosso do Sul], de fato, paralisou a produção destinada ao país, mas segue trabalhando e com atividades nos frigoríficos, já que existem outros mercados. Há quem está redirecionando para o mercado interno, para a China, para o Chile, para diversas nações possíveis", disse, citando a Naturafrig, da qual é presidente, como um dos frigoríficos que decidiu agir dessa forma.

"Quem vai pagar o imposto, nesse caso, é o importador. E essas exportações chegam em agosto, quando a taxa estará vigente, o que faz com que tenhamos algumas sinalizações de que a importação ficará inviável", complementou.

Segundo a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), cerca de 70% de toda a carne produzida fica no mercado nacional. Os 30% que são exportados, em sua maioria, correspondem a cortes que o brasileiro não consome com frequência. Principalmente do dianteiro do boi, que vai para os Estados Unidos, onde é utilizado na produção de hambúrgueres, e miúdos, que vão para a Ásia, onde são usados em ensopados e preparações típicas, por exemplo.

De acordo com a agência Reuters, a associação informou que os frigoríficos brasileiros estão avaliando se farão novos embarques de carne bovina para os Estados Unidos.

Os Estados Unidos são o segundo maior comprador de carne bovina do Brasil, só atrás da China. Atualmente, respondem por cerca de 14% da receita total brasileira do produto.

No primeiro semestre deste ano, as vendas para os EUA tiveram um aumento relevante, com a receita e o volume exportado mais que dobrando em relação ao mesmo período de 2024.

O volume total exportado até junho foi de 181.477 toneladas, uma alta de 112% sobre o resultado verificado no primeiro semestre do ano passado e que corresponde a cerca de um terço de todo o volume exportado pelo Brasil em 2024 para o mundo.

A receita total de exportações de carne bovina do Brasil para os EUA no período foi de US$ 1,04 bilhão, 102% acima do alcançado entre janeiro e junho de 2024, conforme dados da Abiec.

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