Tarifa Zero: proposta de Justiça Social no transporte público de Salvador retorna ao Legislativo
Observatório da Mobilidade defende necessidade de democratizar o acesso aos ônibus na capital

Foto: Bruno Concha /Secom PMS
O Observatório da Mobilidade Salvador (Obmob), coletivo de ativistas e pesquisadores, reapresentou nesta semana aos vereadores da Câmara Municipal um projeto de lei que propõe a implantação da tarifa zero no sistema de transporte por ônibus na capital baiana. Protocolada em junho de 2024, a proposta ganhou notoriedade durante as eleições municipais daquele ano, mas não avançou devido à falta de debate no Legislativo.
Salvador tem uma das tarifas de ônibus mais caras do país, apesar de ser a capital brasileira com o maior número de desempregados e habitantes abaixo da linha da pobreza, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa realidade reforça a urgência do debate sobre o acesso ao transporte público na cidade.
Em entrevista ao Farol da Bahia, Daniel Caribé, representante do Observatório, afirmou que a reapresentação do projeto busca retomar as discussões sobre o tema e encontrar soluções para a crise no transporte público na cidade.
Foto: Farol da Bahia (Daniel Caribé)
Segundo ele, o atual modelo de gestão é excludente e a população de baixa renda enfrenta dificuldades para pagar os R$ 5,60 da passagem, o que dificulta o acesso ao trabalho, aos estudos e até mesmo à busca por emprego. Atualmente, a tarifa zero já é realidade em 118 cidades no Brasil.
"Nas cidades que adotam a tarifa zero, há um aumento na arrecadação, inclusive de impostos municipais. A medida gera mais empregos, estimula o consumo e facilita o acesso a direitos sociais, como educação e saúde. O transporte é um direito constitucional e também um direito meio, pois viabiliza o acesso a outros direitos fundamentais. Para estudar ou trabalhar, por exemplo, é preciso ter como se deslocar", defendeu o especialista.
Como funcionaria a tarifa zero em Salvador?
O Projeto de Lei da Tarifa Zero propõe um modelo mais moderno de gestão, em que o subsídio público deixaria de ser direcionado às empresas e passaria a garantir o passe livre para diferentes segmentos da população.
A proposta também prevê a substituição do atual vale-transporte pago pelas empresas por uma taxa de transporte público, que asseguraria a gratuidade.
"A ideia é aprimorar o vale-transporte. A partir do momento em que ampliamos a base de arrecadação do vale-transporte e aprimoramos esse instrumento, prevemos que, na cidade de Salvador, seja possível arrecadar até R$ 1,5 bilhão”, explicou Daniel Caribé.
“Esse valor é suficiente não só para custear o transporte público por ônibus na capital baiana, mas também para ampliar em 30% ou 40% a capacidade de atendimento da demanda. Essa é uma iniciativa da sociedade civil, baseada em diversos estudos técnicos e jurídicos, fruto de uma mobilização coletiva muito forte”, completou.
E o atual contrato de concessão?
Questionado pela reportagem se a atualização do contrato de concessão do transporte coletivo deveria anteceder a implementação da tarifa zero, Daniel afirmou que essa é uma demanda antiga do Observatório.
Segundo ele, o contrato assinado pela Prefeitura de Salvador em 2014, com duração de 25 anos, já está “caducado”, sobretudo porque não previa a integração dos ônibus com o metrô e o BRT.
“Hoje, o que regula a relação entre a prefeitura, o poder público e as concessionárias não é mais aquele contrato, e sim os TACs [Termos de Ajuste de Conduta] firmados com a mediação do Ministério Público”, explicou.
“Na prática, esse contrato caducou. Firmado ainda no primeiro mandato de ACM Neto, ele já não faz sentido. É hora de a prefeitura reconhecer que aquela licitação foi um equívoco, anular esse contrato e convocar um novo processo licitatóriol”.
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Daniel também defende que a gestão dos recursos fique sob responsabilidade do município. Para ele, até a implementação da tarifa zero, todo o valor arrecadado deve ser administrado pela gestão municipal e repassado às concessionárias com base no quilômetro rodado, e não no número de passageiros.
O que diz o presidente da Câmara?
O presidente da Câmara Municipal de Salvador, Carlos Muniz (PSDB), reconheceu a importância do projeto do Observatório da Mobilidade, mas pontuou a necessidade de discutir a viabilidade da tarifa zero no município. Para ele, a proposta depende do aval dos trabalhadores com carteira assinada.
“O projeto da tarifa zero pode ser realizado, mas depende muito de os trabalhadores com carteira assinada aceitarem a proposta. Na realidade, todos nós sabemos que alguém vai ter que pagar a conta. E quem vai pagar? São os trabalhadores que têm carteira assinada e recebem o vale-transporte, que tem 6% do salário descontado todo mês. É preciso saber se eles vão querer pagar essa conta ", disse.
Foto: Farol da Bahia (Carlos Muniz)
Para o presidente do Legislativo municipal, o transporte público por ônibus na capital é caro, sujo, ineficiente e inseguro. Ele defende que um sistema de qualidade só é possível com subsídio e afirma que o tema está sempre em pauta nas conversas com o prefeito Bruno Reis (União Brasil).