Tribunal julga projeto de mineradora canadense que inclui mina de ouro a céu aberto no Pará nesta segunda (25)
MPF defende consulta prévia e licenciamento federal do projeto
Foto: Divulgação/Belo Sun
O projeto da mineradora canadense Belo Sun, que inclui instalar uma mina de ouro a céu aberto na região da Volta Grande do Xingu, no Pará, vai ser julgado na segunda-feira (25), na 6ª turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.
Dois processos do Ministério Público Federal (MPF) serão apreciados no julgamento na segunda instância. Um deles trata da consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades atingidos pela mina e o outro trata da necessidade do licenciamento ser realizado na esfera federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e não na esfera estadual, pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), como vinha ocorrendo.
Na 1ª instância, a Justiça Federal em Altamira deu ganho de causa para o MPF nos dois processos. O que vai ser julgado no TRF1 são recursos tanto do MPF quanto da mineradora. Os julgamentos podem concluir uma batalha judicial de quase uma década, em que o projeto canadense da Belo Sun teve liminares, sentenças e um acórdão de mérito, todos desfavoráveis.
A empresa foi obrigada, pelo próprio TRF1, em acórdão de 2017, a realizar a consulta prévia às comunidades indígenas da Volta Grande do Xingu. Agora, a empresa alegou que a consulta foi realizada e a decisão do Tribunal obedecida.
O MPF entende que a decisão do TRF1 não foi cumprida e, pelo contrário, princípios que devem ser seguidos em consultas prévias, previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que rege o tema, foram violados no processo conduzido pela mineradora.
No caso dos povos indígenas Arara e Juruna Yudjá, que vivem nas terras indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande, as reuniões relativas à consulta foram conduzidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o que não é permitido pela Convenção 169. Para o MPF, a Funai não tem competência para realizar esse tipo de consulta e quem deveria conduzi-lo era o órgão licenciador, no caso o Ibama.
Além disso, para ser considerada prévia, uma consulta desse tipo deveria ser feita antes da emissão da Licença Prévia do empreendimento, o que não ocorreu. A licença deveria ter sido anulada para que se fizesse a discussão sobre o projeto, mas não foi e a mineradora pretende avançar, com a pretensa consulta que fez, para a fase seguinte do licenciamento ambiental, a da Licença de Instalação.
Indígenas excluídos
O acórdão do TRF1 também exigia que fossem realizadas consultas a todos os indígenas afetados. A Volta Grande do Xingu, além de abrigar as duas terras indígenas já homologadas dos povos Juruna Yudjá e Arara, também abriga diversas comunidades chamadas desaldeadas, o que significa que seus territórios ainda não foram reconhecidos pelo Estado brasileiro. Mesmo assim, deveriam ter sido consultadas, pela decisão unânime do Tribunal.
É o caso da comunidade de São Francisco, que fica a apenas 600 metros de distância de onde a Belo Sun pretende instalar sua mina, mas não teve o direito à consulta respeitado. Comunidades mais distantes, mas também indígenas, como a da Ilha da Fazenda e as da Cachoeira do Jericoá, também deixaram de ser consultadas. A decisão do TRF1 de 2017 ordenava que fosse realizado estudo de impactos sobre esses indígenas, o que também não foi apresentado.
Em parecer enviado aos desembargadores para o julgamento, o MPF sustenta que a consulta feita aos moradores Juruna Yudjá e Arara, das terras indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande não foi realizada de acordo com os preceitos da Convenção 169 da OIT. E as comunidades indígenas desaldeadas ficaram totalmente excluídas do direito de consulta.
Federalização
O segundo processo a ser julgado, que trata da competência para o licenciamento ambiental do projeto Belo Sun, teve sentença favorável ao MPF na Justiça Federal em Altamira, que ordenou a federalização do licenciamento, porque a competência no caso é do Ibama e não da Semas do Pará.
A legislação ambiental que separa as competências para licenciar determina que obras e empreendimentos que atinjam povos indígenas, rios federais ou que possam causar impactos regionais graves devem ser licenciados pelo órgão federal e não pelos estaduais.
A jurisprudência do próprio TRF1, argumenta o MPF, é cristalina ao afirmar que obras e projetos de exploração que afetem terras indígenas exigem o licenciamento federal. “O TRF1 já enfrentou o tema dezenas de vezes, inclusive no caso da própria UHE Belo Monte. Em nenhum caso a obra se situava no perímetro de terra indígena, como aqui. Ficou assentado que, se a obra afeta a terra indígena, o licenciamento é federal”, diz o parecer enviado aos desembargadores para o julgamento do dia 25.
No caso de Belo Sun, há uma questão que torna o licenciamento ainda mais sensível: a obra atingiria a Volta Grande do Xingu, a mesma área que concentra os mais graves impactos de outro grande empreendimento, o da usina hidrelétrica de Belo Monte.
“Além de atingir rio federal e comunidades indígenas, há relação do empreendimento com a UHE Belo Monte. A própria FUNAI constatou que “a realização de um empreendimento desse porte (...) tende a potencializar os impactos desta UHE. É preciso atentar para a dinâmica do contexto social e da vulnerabilidade das Terras Indígenas. É necessária uma análise da sobreposição de impactos que afetem os indígenas da região da Volta Grande”, diz o parecer do MPF.
Em 2020, sem explicação, a Funai mudou de posição e deixou de apoiar a federalização.
Mas o Ibama, em parecer técnico, também alertou que “a operação conjunta dos empreendimentos poderá elevar os impactos a proporções de gravidade inimagináveis”. Em 2022, a própria concessionária de Belo Monte, Norte Energia, enviou documentos ao Ibama, à Semas e ao MPF solicitando a reavaliação do processo de licenciamento ambiental de Belo Sun por haver “conflito entre as atividades e risco de implantação de atividade minerária em conjunto com a operação da UHE Belo Monte”
A mineradora pretende operar o que propaga ser a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil, com uma barragem de rejeitos de 35 milhões de metros cúbicos. O processamento do ouro exigirá o uso de produtos altamente tóxicos como arsênio, antimônio, chumbo, cobre e enxofre.
O projeto prevê ainda a utilização de produtos nocivos – como o cianeto – e um depósito de rejeitos às margens do rio Xingu. Para piorar, durante a fase de instalação, serão utilizados explosivos que podem impactar a sismologia da área, muito próxima à barragem principal da usina de Belo Monte.
Por todos esses motivos, o MPF sustenta, perante o TRF1, que o licenciamento do projeto canadense Belo Sun seja totalmente anulado, para que o Ibama possa reiniciar o processo levando em consideração a legislação ambiental, a jurisprudência dos tribunais brasileiros e os riscos envolvidos no empreendimento.