Veto a desonerações no pacote fiscal terá pouco impacto fiscal no curto prazo
Apenas 3,4% dos R$ 17,9 bilhões em benefícios que tinham vigência até 2026 ainda poderão ser afetados
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Foto: José Cruz | Agência Brasil
O veto à prorrogação de desonerações tributárias caso o governo federal registre déficit neste ou nos próximos anos, aprovado como parte do pacote fiscal, terá pouco efeito nas contas públicas no curto prazo. Apenas 3,4% dos R$ 17,9 bilhões em benefícios que tinham vigência até 2026 ainda poderão ser afetados.
O restante foi prorrogado antecipadamente, está com o fim contratado -caso do Perse (para retomada do setor de eventos e turismo da pandemia)- ou já seria extinto ou reformulado pela reforma tributária em 2027. Os dados constam do Demonstrativos dos Gastos Tributários da Receita Federal.
No atual mandato, mostra levantamento da reportagem, as únicas isenções fiscais cuja prorrogação pode ser impedida são para deduções no Imposto de Renda por doações a programas de combate ao câncer (Pronon) e atendimento a pessoas com deficiência (Pronas), além da redução do imposto sobre leasing (arrendamento) de aeronaves para as companhias aéreas.
Somados, esses três benefícios custam R$ 612 milhões por ano -apenas 0,11% dos mais de R$ 540 bilhões de gastos tributários estimados pelo governo para 2025.
O Congresso aprovou, no pacote fiscal, a proibição da ampliação, criação ou prorrogação de benefícios tributários se houver déficit primário. Em 2024, o rombo foi de R$ 11 bilhões, mas chegou a R$ 43 bilhões se incluídos os gastos extraordinários com o auxílio para reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes do ano passado.
A intenção do governo ao atacar os benefícios tributários foi demonstrar para a sociedade que o pacote promovia cortes em todos os setores.
Segundo a advogada e professora da EPPG/FGV (Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas) Hadassah Santana, a proposta do governo de restringir incentivos tributários deve ter um impacto mais contido e atinge, sobretudo, benefícios fiscais vinculados à renda.
Isso porque os benefícios vinculados ao PIS, Cofins e IPI já estão em processo de transição e tendem a ser extintos ou reformulados com a implementação da reforma tributária. Os três tributos serão substituídos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) em 2027.
"O efeito prático dessa medida tende a ser limitado, mas faz parte da narrativa do governo de dizer para a sociedade que está todo mundo participando desse corte orçamentário", afirmou a advogada.
Integrantes do governo que participaram da elaboração do texto do novo gatilho rejeitam a ideia de baixa efetividade e disseram à Folha que a medida cria, na prática, um programa permanente de revisão de renúncias.
Os auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmam que a gatilho integra o grupo de medidas do pacote que visa dar resiliência no médio prazo ao arcabouço fiscal.
Esse seria o foco da medida, que, na avaliação do governo, terá efeitos práticos, ao contrário do corte linear dos incentivos aprovado por emenda constitucional no governo Bolsonaro, que não teve resultados. A ideia da atual gestão também é disciplinar outras formas de limitação de benefícios.
Uma autoridade da área econômica diz que o presidente vai enfrentar agenda das renúncias com novas medidas para fazer o ajuste em cima dos setores que fazem lobby e que têm privilégio. Ela ressalta que Lula tem convicção de que há incentivos que só geram benefício para o setor que tem a isenção.
Pela regra aprovada, o gatilho poderá ser acionado, independentemente se o governo cumprir a meta fiscal, que conta com abatimentos previstos em lei.
Confirmado o déficit de 2025, por exemplo, o governo faz a apuração do resultado em 2026 e fica proibida a renovação em 2027. O PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2027 já terá que ser enviado ao Congresso, em agosto, sem essas renúncias. A regra vale para os anos seguintes.
O coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), Manoel Pires, avalia que o gatilho pode ter efeito relevante no médio e longo prazo, caso o Congresso obedeça a regra.
"Se continuar aprovando uma renúncia fiscal independente disso, e o governo aceitar, aí realmente não vai ter efeito nenhum", diz. Ele lembra que a Fazenda tem questionado as renúncias fiscais e pode acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) para suspender a aprovação de legislação relacionada a benefícios.
Segundo ele, o mais provável é o governo ter algum déficit nas suas contas neste ano por conta de um pagamento maior de precatórios, da desaceleração econômica e dificuldades para aprovar novas medidas de aumento de receita. Nesse cenário, o novo governo entraria já fazendo algum ajuste fiscal.
No curto prazo, porém, a redução dos subsídios tributários terá efeito praticamente nulo. Os benefícios mais custosos já foram prorrogados antecipadamente pelo Congresso, como o incentivo para montadoras de automóveis se instalarem no Nordeste, Norte e Centro-Oeste (adiado até 2032, ao custo de R$ 7,7 bilhões anuais) e os incentivos para produção de semicondutores (R$ 390 milhões por ano).
Só se os déficits do governo federal se prolongarem ao longo do próximo mandato presidencial é que a proibição afetará incentivos tributários mais volumosos, como a desoneração da folha de salários de empresas e prefeituras, o regime automotivo (Mover), a Lei de Informática e incentivos para reinvestimento nas regiões das superintendências de desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene).
Isso se o Congresso não se mobilizar para prorroga-los. Já na votação do projeto de lei do pacote fiscal, congressistas tentaram adiar o fim de um benefício que só acabará se o rombo nas contas públicas durar mais quatro anos.
O relator, deputado Átila Lira (PP-PI), cujo partido controla o Ministério do Esporte, incluiu na primeira versão do seu parecer a renovação antecipada da dedução de imposto de renda por empresas para doações a projetos esportivos. A isenção custa R$ 820 milhões por ano. Ele desistiu a pedido do governo, para não passar a imagem de falta de credibilidade das medidas fiscais.
Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.