Saúde

Violência obstétrica não é reconhecida como crime no Brasil

Na Bahia, advogados utilizam diretrizes de organizações de saúde para processos na Justiça

Por Stephanie Ferreira
Ás

Violência obstétrica não é reconhecida como crime no Brasil

Foto: Arquivo/ MDS

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera como violência obstétrica: abusos verbais, não permitir a presença de acompanhante, negar medicamento, água e comida, procedimentos médicos não consentidos, violação de privacidade, violência física, entre outros. No Brasil, não há legislação que determine a prática como crime, porém atos que configurem violações aos direitos das gestantes e parturientes podem ser enquadrados 

A vendedora Uilma Oliveira,33 anos, passou por um longo trabalho de parto, foram 36 horas na maternidade do Hospital Roberto Santos, em Salvador. Entre as dores das contrações, ouvia da enfermeira “abre as pernas! De perna fechada não pare” repetidas vezes. E as agressões verbais não cessaram. "A médica dizia que estava com fome, queria almoçar, que a comida dela já estava fria. Precisava que (o parto) fosse logo.” conta.

Além disso, ela foi vítima de episiotomia, corte feito na região perineal - entre o ânus e a vagina - para ampliar o canal e “facilitar” a passagem do bebê. “Ela já foi cortando e dizendo que teria que fazer. Na hora a gente nem imagina, só quer que a dor passe”, disse. 

Assim como muitas mulheres, Oliveira não denunciou a conduta. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, o estado não tem registro de casos de violência obstétrica. Em nota, ressaltou que as vítimas podem apresentar uma manifestação na Ouvidoria do Estado. A denúncia também pode ser feita  nos conselhos de classe do profissional envolvido.

Sem lei federal, alguns estados e municípios estabeleceram algumas diretrizes, como Santa Catarina e Pernambuco. De acordo com a advogada especialista em direito civil e direito médico, Ana Dulce Fernandes, na Bahia, os casos são tratados na Justiça com base em normas. 

“Utilizamos resoluções do Conselho de medicina, do Conselho Regional de Enfermagem da Bahia, diretrizes da OMS, do Ministério da saúde, Unicef, dos Ministérios Públicos estaduais e federal, além de parecer da Defensoria Pública. Decisões reiteradas de outros tribunais para usar como parâmetro, tratados e convenções internacionais e princípios constitucionais. A gente vai tentando "espremer" com essa fundamentação para o processo.”

De acordo com Fernandes, cada situação deve ser analisada separadamente para que o processo corra na Justiça. “Olhamos os prontuários, as provas e vemos o que aconteceu, a depender da situação podemos fazer o B.O. Recorremos a vários diplomas legais já existentes e amplos. O código penal não tem nada específico sobre a violência obstétrica. Fazemos do limão, uma limonada por conta da lacuna legislativa”, afirma. 

Um dos direitos às mulheres grávidas é garantido pela Lei Federal n°11.108/2005, conhecida como Lei do Acompanhante que determina que os serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. 

A escolha do acompanhante é livre, podendo ser o pai do bebê, o parceiro atual, a mãe, ou outra pessoa de sua preferência. Ou caso queira, pode decidir não ter acompanhante. 

Danos psicológicos 
De acordo com a psicóloga obstétrica, Rafaela Lyra, a mulher pode apresentar prejuízos psicológicos de grande proporção após a violência obstétrica, que vão de problemas na vinculação da mãe com o seu bebê até uma depressão pós-parto e desistência de gestações posteriores. 

“Na vinculação, o que acontece muitas vezes quando a mulher não tem consciência de que sofreu uma violência obstétrica, é atribuição da “culpa” de que algo deu errado para o bebê. De forma consciente, a violência obstétrica pode gerar na mulher, ao olhar para o bebê, a recordação involuntária de tudo que sofreu, isso pode levar a um nível alto de estresse e ansiedade, além prejudicar a amamentação.”

Lyra ressalta que outros fatores podem contribuir para a depressão pós-parto Mas, que essas agressões podem causar a doença. “A gestante se encontra vulnerável neste momento e a violência sofrida pode se manifestar como um trauma para tais pacientes, resultando, no desenvolvimento de depressão pós-parto.”

São consideradas violências se feitas sem o consentimento da parturiente:
•   não permissão da entrada do acompanhante durante e pós-parto.
•   violências verbais como chacotas, brincadeiras e agressões.
•   violência físicas, psicológicas, simbólica e sexual.
•   prática de procedimentos sem indicação e sem comunicar ou ter autorização da paciente.
•   negar atendimento.
•   negar alimento e bebida.
•   episiotomia (corte feito na região perineal).
•    tricotomia (retirada dos pelos antes de uma cirurgia).
•   manobra de Kristeller (pressionar a barriga). 
•   violação de privacidade 
•   cesárea sem necessidade
•  negar a escolha da posição do parto 

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