Muita gente, até agora lamenta o pênalti perdido por Lucho Rodrigues. É que a bola pensa e tem sentimentos. A gente é que pensa que a bola não tem vontade. Ela só faz o que quer, não comete exageros e, às vezes não dá bola para o que quer aquela multidão de torcedores tricolores, que lotou o estádio da Fonte Nova, e torcia para a bola entrar!
A bola pune, como vaticinou Murici Ramalho. Ele tinha razão, a bola realmente não perdoa o jogador que engana a geral. Ela não foi feita para a mediocridade de certos jogadores. Zangada a bola é cruel! Mas, não é o caso daquele pênalti desperdiçado por Lucho, o craque da camisa 9 do super campeão.
Como é do conhecimento de todos, o futebol é jogado com os pés. O que Everton Ribeiro fez foi reproduzir a poesia de João Cabral de Melo Neto: “usar com malícia e atenção dando aos pés astúcias de mão”. A bola já tinha concedido a Everton Ribeiro, a jogada de mestre, o lançamento preciso, o gol por antecipação. Já era o bastante para a torcida tricolor viver o nirvana do passe genial, a beleza infinita protagonizada por Everton, inesperada, precisa, rara.
Qualquer um perderia aquele pênalti. Era demasiado converter em gol, o que antes tinha sido um instante inusual, mágico, privativo dos deuses da bola.
Se Lucho convertesse em gol, ampliando o triunfo maiúsculo do tricolor, muitos, provavelmente teriam olvidado o passe de Everton Ribeiro, tratando como trivial, o que foi um instante tanto inesperado, como fruto da genialidade de um jogador. Um instante que nos faz lembrar a criatividade de Armando Oliveira, quando vaticinou sobre Pele: “se Pele não nascesse homem, teria nascido bola”. Por que não dizer o mesmo de Everton Ribeiro?
Bendito gol perdido, possibilitou ver o quase invisível. O acontecimento que o precedeu, o qual, aos poucos, foi amenizando a dor do pênalti desperdiçado, para dá lugar ao lance inesquecível, mostrando mais uma vez a verdade contida em Drummond de Andrade e nas chuteiras certeiras de Everton Ribeiro: “ a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional”. Optei por dispensar o sofrimento, embalado pelo lance vivo de um deus do futebol.
No Bahia as coisas acontecem assim. Sua glória é essa, nunca ceder às mediocridades, sua inspiração é sempre elevada e paga, com o amor da torcida e os caprichos da bola, recebendo com uma mão o gênio de craques como Everton Ribeiro e com a outra pagando seus tributos para compensar seus grandes feitos.