A dor do outro

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A dor do outro

Emocionante e tão verdadeiro o transbordar da dor em lágrimas de uma filha Beth Goulart (@bethgoulardoficial) por uma mãe, Nicete Bruno, que partiu, mais uma vítima da COVID-10, para a espiritualidade. A família é de orientação espírita, o que não significa que não sente a dor, claro que sim. De há muito existe esta lenda: espírita não chora a perda de um ente querido. Claro que chora, não sei de onde inventaram esta história.

Infelizmente, diz com grande propriedade o professor e filósofo da USP, Renato Janine Ribeiro, que a “nossa sociedade afastou a morte de seu convívio. Hoje, só por desventura se morre em casa. Para morrer, as pessoas são confinadas num ambiente neutro, hospitalar.”, mas nesses meses tormentosos de pandemia mais que necessário, imprescindível que assim seja. Certamente, esta morte não vista, este último suspiro de vida de um amor não percebido trás uma incompletude para o luto sem precedente, que só os que estão passando por este momento dor sabem, sentem. Tornou-se evidente nesses dias a importância de se confrontar com a morte, única certeza da vida. A morte precisa ter o seu rito próprio, pois a necessidade do luto nasce neste momento, do partir de uma alma amada. Em verdade, vários historiadores e estudiosos do comportamento humano, a partir do francês Philippe Ariès, em sua História da Vida Privada, têm nos mostrado como a morte está sendo retirada gradativa e continuamente do cotidiano de nossas vidas. Parece que há uma luta em negá-la, de tal monta, que mesmo sendo um grande amor que parte, mesmo assim, se tem preferido que ela ocorra longe dos nossos olhos. Todavia, a pandemia em curso nos fez ver que mais do que se tem buscado, a morte pela COVID-19 é solitária para quem parte e de grande vazio para quem fica. 

Triste em todas essas histórias que nos chegam é que, talvez pelo medo de sofrer, colocando-se o lugar do outro – o que partiu e os que ficaram – não estamos nos permitindo ter um pouco do sentimento que centenas de milhares de família estão sofrendo,  suas dores nestas mortes solitárias, sem o direito de prantear os últimos momentos de um amor que parte. Tem faltado muita empatia, que em verdade, não é puramente se colocar no lugar do outro, mas é a capacidade de compreender a visão de realidade do outro, ao perceber e ter consciência de seus sentimentos, de suas dores. Temos vistos, assim, que muitas pessoas que não têm esse lugar no outro, evidenciam, em muitos casos, serem portadoras de transtornos que podem estar associados a esse distanciamento dos outros e de suas dores. E fato que pode nos faltar aqui e ali, de maneira pontual, atos de empatia, em alguns momentos, porém algumas pessoas têm e cultivam esta característica, evidenciando relação com sérios problemas psicológicos.

Nicete, a mãe de Beth, foi para muitos apenas mais uma a partir vitimada pelo Coronavírus – são centenas por dia -, e que essa experiência não nos chegue, pois ainda e infelizmente, só despertamos quando a dor nos bate à porta, ou não.   


 

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