Guardamos necessidades de estabelecer em nossas vidas determinados marcos, a fim de que ciclos se abram e outros se fechem. Os ritos estabelecem, assim, mudanças que nos estimulam e há algumas que são muitos importantes, quase que indispensáveis para vivermos perspectivas de controle da vida, ainda que este controle seja apenas hipotético. Os chamados ritos de passagem representam importantes processos de estímulos à vida humana. O primeiro pesquisador a se debruçar sobre o tema, no início do século XX, foi Van Gennep, que em 1906, quando publicou o clássico Os Ritos de Passagem. Nesse livro, ele dividiu os ritos de passagem em três grandes grupos: ritos de separação, como a festa de formatura ou um sepultamento; ritos de margem, como o período da gravidez ou o do noivado; e os ritos de agregação, como batismo, casamento, primeiro dia de aula na escola ou na universidade, réveillon, mas Cristiano Nabuco, psicólogo da USP e autor de “Psicologia do cotidiano”, explica que, durante milênios, nosso cérebro foi programado para começar e encerrar tarefas. Se em 2020 você prometeu fazer exercícios, mas o ano passou longe da academia, seus neurônios vão “enviar notificações”, lembrando você disso. No entanto, este ano foi o mais estranho e atípico, sem dúvida alguma, das vidas de todos nós. Razão pala qual esta virada de ano, ainda bem estranha, guarda, segundo alguns estudiosos, uma importante conotação de passagem, pois com ela vem a necessidade de esquecer, de um ano inteiro ter sido vazio, de dores, medos e expectativas nocivas.
Assim, afirma Nabuco que, quando chega o final do ano, nossa mente busca se alinhar a essa contagem externa e fica inquieta para concluir ciclos – mesmo que isso signifique fazer novas promessas. E o que fazer, cogito, se não há praticamente nada para concluir. “O réveillon, assume o papel mágico de nos dar forças para pôr tudo em prática. É um pensamento até infantil, o pote de ouro no final do arco-íris no final do calendário. Mas não recrimino, o que funcionar para você está ótimo”, diz Nabuco. E acrescenta: “O importante é se planejar para mudar pequenas coisas, um pouco a cada dia. Somos muito ruins para lidar com crises: quanto menos desgaste emocional, mais chance de o plano dar certo.” Então, pela avaliação do professor da USP, precisaremos neste próximo réveillon resgatar o que não foi feito, não fingir que o ano não ocorreu. Resgatar, fechar ciclo e prosseguir em nossos ideais.
A nossa mente cobrará a mudança de ciclo. Em um estudo de 2010 que se tornou referência, os psicólogos Nira Liberman (Universidade de Tel Aviv) e Yaacov Trope (Universidade de Nova York) demonstraram que avaliamos de forma muito diferente metas próximas e distante. Assim, quando nos programamos para a virada do ano, para os nossos projetos em fim serem aplicados, sentiremos, à distância, que tudo será possível e, meses depois, cairemos em alguma realidade do que não contávamos: dificuldades. Foi com essa preocupação que Marie Hennecke, socióloga da Universidade de Zurique, na Suíça coautora com o médico americano Benjamin Converse, da pesquisa “Next week, next month, next year” (“Próxima semana, próximo mês, próximo ano”), que analisa como marcos temporais alteram expectativas, propuseram nos programar para tempos curtos, nada que demande, salvo as questões de saúde e estudos, tempo longo. Aprendemos neste 2020 que , de repente, tudo pode mudar e conspirar contra nossos sonhos. Todavia, mantenhamos o embalo do espírito otimista do novo ano, as vacinas, ainda que lamentavelmente politizadas, estarão aí...Então, projete, vá em busca...e tenha um 2021 cumulativamente com realizações não possíveis de 2020 agregadas em 2021, fazendo o novo, não por uma questão de mudança de calendário, mas pela conscientização que tivemos neste ano que se encerra, que o importante é fazer como pudermos, na medida sempre do possível. FELIZ 2021 e muito obrigado por sua companhia por aqui semanalmente.