Esta semana iria compartilhar com vocês leitores do Farol da Bahia o meu olhar de como é ser de Candomblé, a partir da minha vivência dentro de um Terreiro, e da fé em busca de melhorias. Mas o carnaval chegou e a euforia começa a tomar conta de nossos corpos, pois após dois anos sem essa grande festa, a expectativa tem sigo grande. A Cidade começa a receber os turistas; a economia começa se movimentar, e a vida de algumas pessoas começam a seguir o fluxo desta imensa folia, onde muita gente trabalha, enquanto outros se divertem. Seguindo então na direção desta diversão, pude ver aqui no Farol uma declaração do primeiro governador da Bahia declarado indígena, onde disse: “Certas fantasias ridicularizam pessoas e culturas.” Pegando o gancho de sua fala, deixarei a minha contribuição no âmbito religioso, onde “pessoas e culturas” fazem parte deste eixo.
Em textos passados falei um pouco sobre a perseguição e o estigma deixado no povo negro e nas comunidades tradicionais de matriz africana, onde de forma ignorante e muitas vezes perversa, sofremos represálias pelo simples fato da cor de nossa pele e por professarmos a religião do preto que foi trazido pra cá a força, e, brutalmente escravizado. Mas o interessante disso tudo é que para usufruir de nossos bens, o preto é bom! Comem da nossa comida, que chega se lambuzam de dendê; ouvem da nossa música, modificam o nome do nosso Acarajé (tema pra outro dia) e ainda se apropriam de roupas, indumentárias e até das tranças dos nossos cabelos crespos. Mas o pior disso tudo é a forma que a religião é levada para o âmbito profano.
Entidades como os Filhos de Gandhy, Ilê Ayê, Olodum, Bankoma e Cortejo Afro, têm em suas dinâmicas e repertórios, ações e canções que enaltecem a religião do Candomblé sem macular o sagrado. Algumas ações, como por exemplo, a dos Filhos de Gandhy em fazer reverencia Exu antes do desfile, aquilo tem um propósito. Não é feito de forma aleatória. Não é uma brincadeira, apesar de ser no carnaval. As canções do Bloco Afro Bankoma são outro exemplo de cuidado com o sagrado. Elas são feitas sem enxovalhar ou depreciar a religião. Os blocos afros reverenciam o Candomblé e a cultura negra, mas não vemos Orixás vestidos como se estivessem manifestados. Aquilo pra gente é sagrado!
Em 2022, minha tia, Mãe Stella de Oxossi, foi homenageada pela G.R.E.S.U. Porto da Pedra, uma Escola de Samba do município de São Gonçalo do Rio de Janeiro. A partir disto, fui convidado para encabeçar a parceria na composição do Samba Enredo, ao qual vencemos em primeiro lugar nos destacando em mais de dez grupos de compositores. Procurei ter contato com a carnavalesca Annik Salmon e o pesquisador Carlos Carvalho para entender a dinâmica de como seria este enredo, pois mesmo sendo da música, seria a minha primeira vez na Marquês de Sapucaí. A responsabilidade ia muito além de fazer um bom samba, pois era minha tia a homenageada. Tia Stella nunca gostou de qualquer tipo de exposição, então o meu pedido foi que não tivesse nenhum Orixá representado em pessoas vestidas. Ela prezava muito pelo sagrado, e então não podia decepcioná-la, até porque eu também sou um sacerdote e tenho-a até hoje como minha inspiração. E lá fui eu parar dentro de uma quadra de Escola de Samba do Rio de janeiro, pra levar o legado de minha tia para o mundo ouvir em forma de canção. Tudo foi feito com o maior cuidado, desde os carros alegóricos, a cada arrumação das alas. E a canção? Eu sou suspeito em falar. Participei da composição do início ao fim, e que nada mais foi que uma declaração de amor pra minha tia.
Dito isto, vamos curtir o carnaval sem fazer uso dos símbolos do Candomblé, respeitando o legado dos negros Ancestrais. Sei que a declaração do governador causou polêmica, mas não custa nada RESPEITARMOS e COMPREENDERMOS o sentimento alheio, sobretudo, entender que os Indígenas também fazem parte da construção do nosso País, e que merecem nosso respeito e reverência. O carnaval é um grande palco de militância, então vamos reivindicar com sabedoria. Referente ao Candomblé, as entidades citadas acima sabem o que estão fazendo. Elas são de Axé, e sabem que Candomblé não é brincadeira, e Orixá não é fantasia!