Ser de Candomblé: um exercício de fé em busca da evolução humana e paz de espírito
Eu sou nascido e criado dentro de um Terreiro de Candomblé onde vivo até os dias de hoje, e que ao longo dos anos venho angariando conhecimentos alicerçados nos ensinamentos dos meus mais velhos e também conhecendo minimamente sobre a essência de cada Orixá, o que é algo infinito. Este saber Ancestral me norteia no mundo de hoje, pois, assim como os Orixás tiveram a sua parcela de contribuição para formação do mundo a partir da perspectiva de Deus (Olorun), eu procuro seguir a mesma direção para que da melhor maneira possível eu permaneça nesta linha de discernimento, contribuindo ao que me cabe. Até porque como todo ser humano eu sou passivo de erros, e a filosofia do Candomblé nos ensina a tentarmos ser pessoas melhores. Baseada nisto, contarei um itan (história/conto) do meu Orixá de cabeça; Ogun. Onde após mais uma guerra vencida chega a sua Cidade natal.
Ogun, Orixá da tecnologia, senhor da guerra, nunca saiu de uma batalha derrotado. Ao chegar à Cidade de Irê onde era Senhor, seus súditos não esboçaram nenhuma felicidade ao vê-lo. Todos seguiam calados em suas funções diárias. Sem as boas vindas, todos em Irê permaneciam em silêncio absoluto. E o fato de ele ser o soberano daquele lugar, ter chegado vitorioso e não ser recebido com louvores o deixou furioso.
Irritado com o descaso, Ogun começou a esbravejar e punir as pessoas que passavam perto dele sem cumprimentá-lo. Mas o que Ogun não lembrava é que justamente naquele dia, ele próprio havia decretado que toda Cidade ficasse em silêncio. Onde naquele período era proibido qualquer tipo de conversa. Até mesmo os cumprimentos de bom dia, boa tarde ou boa noite.
Após as desmerecidas punições, um velho senhor se atreveu em quebrar o silêncio, e desesperadamente disse: “Meu senhor... O senhor havia determinado que no dia de hoje ninguém falasse com ninguém. Estávamos achando que isso seria um teste a nossa obediência!” Ogun então, com as mãos na cabeça, se ajoelhou, olhou pro céu e pediu perdão a Olorun (Deus) pela injustiça que acabara de fazer com seus leais súditos. Neste momento, o céu mudou de cor, e Ogun sumiu se tornando Orixá. Que para fé e devoção daquele povo passou a ser chamado de Ogun Onirê – Ogun o Senhor de Irê.
Mas porque estou contando este conto? Estou muito longe de me tornar Orixá [risos], entretanto, a minha visão de Candomblé perpassa pela essência de cada Orixá, onde através das suas falhas e virtudes me espelho e tento ser melhor como ser humano. Não posso falar do ponto de vista das pessoas que chegaram ao Candomblé pelos seus mais diversos motivos e que não compreendem essa dinâmica. Pois muitos chegaram por motivos de doença, e conseguiram se curar; outros por motivos pessoais, e alcançaram seus objetivos etc... Tudo isso baseado na fé momentânea do desespero em atingir seu propósito, o que é compreensível. Mas como eu disse anteriormente: nasci; me criei; fui educado e vivo até hoje dentro de um Terreiro. Eu não sei o que é a vida antes do Candomblé. Isso é algo que está em mim desde que nasci. É uma substância inexplicável que percorre as minhas veias. A minha fé nos Orixás vai além do que vocês possam imaginar, pois ainda que a vida tenha os seus percalços, ela permanece inabalável.
Digo isso porque muita gente acha que no Candomblé os meios de conquistas são mais rápidos. E não é bem por ai... Eu sou prova viva de que tudo acontece em seu tempo. Toda esta dinâmica faz parte do exercício da fé. Sempre queremos encontrar respostas pra tudo, e no Candomblé quando não encontramos as respostas, com certeza encontraremos caminhos para melhoria, e as respostas serão uma consequência. Mas muitas vezes a falta de percepção em entender a implicitude dos Orixás, e, a falta de paciência querendo que tudo aconteça com rapidez, faz com que, o que estava dando certo mesmo que em passos lentos, comece a dar errado, e daí, à fé é abalada.
Para mim, o Candomblé é mais que uma religião. Ser de Candomblé é uma filosofia de vida, onde a partir dos itans de cada Orixá, sobretudo, da convivência e obediência ao sagrado, caminhamos em conjunto em direção a vitória, paz de espírito e tudo aquilo que nos faz bem. Vale ressaltar que este testemunho não é para converter ninguém, mas, desconstruir a imagem ruim que alguns ainda têm quando o assunto é Candomblé.