Não se faz necessário falar aqui sobre a escravidão, pois todos compreendem que essa estupidez nos deixou sequelas e ainda nos traz muita tristeza. Mas acho pertinente memorar pessoas que tiveram suma importância na construção da nossa Cidade, onde João de Deus, Luiz Gonzaga das Virgens, Lucas Dantas de Amorim e Manoel Faustino, homens que lutaram por um governo igualitário e a libertação dos escravos lá pelos anos de mil setecentos e noventa e oito, quando se revolucionaram insatisfeitos com as condições de trabalho imposta pelo atual governo.
A esteriotipagem que fazem com o povo Nordestino, mas em particular com o povo baiano, onde de forma vil dizem que: “baiano não gosta de trabalhar”; ou que, “baiano só toca berimbau porque tem uma corda só”; ou quando recentemente, em 28 de fevereiro de 2023, um branco sulista, agente público, que teoricamente ocupa uma posição de representante do povo, sobe à tribuna da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul para reivindicar o resgate de pessoas que trabalhavam em situações similares a escravidão. Ainda no púlpito, e, em tom violento, enfatizou dizendo pra que os empresários não contratassem os baianos, porque a nossa cultura seria "viver na praia tocando tambor”. Isso mostra o quão o racismo é perverso e a ignorância travestida da burrice é atrevida, pois essas pessoas não conhecem a história do Brasil, tão pouco da Bahia. Não conhecem a história de Jaime Sodré (meu padrinho postiço); de Jorge Portugal; Mãe Stella de Oxossi; Martiniano Eliseu do Bonfim; Mestre Didi; Maria Bibiana do Espírito Santo; Edison Carneiro; Mãe Gilda; Dorival Caymmi; Maestro Reginaldo; Mário Gusmão; Mãe Runhó; Neguinho do Samba; Chica Xavier; Milton Santos; Mãe Menininha do Gantois; Tia Ciata; Luiz Gama dentre outros pretos ilustres que fizeram e ainda continuam a fazer parte da história da Bahia, se estendendo por todo Brasil.
Não poderia deixar de citar a autora do termo que dá título a este artigo. Eugênia Anna dos Santos, mais conhecida por Mãe Anninha. Mulher negra, nascida pelos meados do século XIX, aos treze dias do mês de julho do ano de mil oitocentos e sessenta e nove, quando na infância, e, à porta da adolescência alcançou e presenciou grandes conflitos e revoluções a exemplo do processo de abolição da escravatura, onde algumas leis foram promulgadas, tais como: a Lei do Ventre Livre e a do Sexagenário, quando em 1888, a escravidão foi totalmente abolida (em tese). Já com 20 anos de idade, um ano após a abolição da escravatura, Anninha pôde presenciar a Proclamação da República, quando o Brasil deixava de ser Monarquia e entrava para era Republicana, instaurando assim o regime presidencialista.
Filha de africanos da etnia Grunci, Anninha começou sua vida espiritual com aproximadamente 16 anos de idade. Foi iniciada no Candomblé pelas mãos de mãe Marcelina da Silva, Obá Tossi, a sucessora da princesa africana Iyá Nassô uma das fundadoras do Candomblé da Barroquinha, o Ilê Axé Airá Intilé. Já no auge dos seus vinte e poucos anos, madura e conhecedora da liturgia do Candomblé, Anninha era uma mulher além de seu tempo, e, sempre com os olhos no amanhã. Quando no ano de 1909 em Salvador, na região do Cabula, no bairro de São Gonçalo do Retiro adquiriu uma grande chácara, local bem distante do Centro da Cidade naquela época, quando em 1910 funda o Ilê Axé Opô Afonjá, casa da qual faço parte desde que nasci.
O Ilê Axé Opô Afonjá sempre foi uma casa que acolheu grandes nomes da intelectualidade baiana, sendo uma delas, o etnólogo Edison Carneiro, que serviu de guia nas pesquisas da antropóloga norte-americana Ruth Landes, que chegara à capital baiana no ano de 1938, e tinha como objeto comparar as relações inter-raciais entre Estados Unidos e Brasil, a partir de informações levantadas pelo sociólogo estadunidense Donald Pierson, que também estivera na Bahia em 1935, como doutorando da Universidade de Chicago.
Edison Carneiro foi à ponte entre Mãe Anninha e Ruth Landes, onde, em entrevista a norte-americana, Anninha de forma inédita e orgânica proferiu a tão famosa frase, chamando a Bahia de Roma Africana, e que Carneiro em seu livro, “Negros Bantus”, relata tal fato. Anos mais tarde, o professor e antropólogo Vivaldo da Costa Lima, pessoa que tive o privilégio de conviver dentro do Opô Afonjá, pois ele era Obá de Xangô assim como eu, decodifica a semiótica da frase Roma Negra, derivada de Roma Africana, onde Anninha quis dizer: “Assim como Roma é o centro do catolicismo, Salvador é o centro do culto aos Orixás!”
Sensível a este episódio, Caetano Veloso em Reconvexo, canta: “(...) Eu sou à sombra da voz da matriarca da Roma Negra. Você não me pega, você nem chega a me ver. Meu som te cega, careta, quem é você? (...)”
Outros dois grandes baianos, poetas e cientistas da nossa música brasileira, Roberto Mendes e Jorge Portugal (in memoriam) na canção Só se vê na Bahia, dizem: “(...) Gente que tira alegria da dor, do baticum do batente. Todas as cores de gente. Contas de todos os guias. Uma nação diferente, toda prosa e poesia. Tudo isso finalmente só se vê na Bahia!”
Dito isto, quem não conhece a Roma Negra venha conhecer. Essa terra acolhedora, aonde quem chega não quer mais sair. Somos completos em todos os sentidos. Temos o maior litoral do Brasil; temos rios; cachoeiras; uma Mata Atlântica importantíssima para o País; temos música de qualidade; comida boa; diversidade cultural, muita fé e gente de todas as cores. Terra de quem bate tambor, mas que também "bate ponto", honrando o pão de cada dia, sobretudo, as nossas responsabilidades. Ser baiano é isso. Sorrir, cantar, trabalhar e ser feliz. A nossa alegria é a resistência do existir. Portanto, respeitem à Bahia. Respeitem os baianos. Respeitem a nossa história!