Cisne Vermelho X

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Cisne Vermelho X

“Um grande homem de Estado não diz a si mesmo: 'Este povo é débil; suas instituições o paralisam.' Ele diz: 'Esse país cochila; Eu o despertarei. As instituições são como os homens as fazem; se necessário, eu as transformarei.'”
(André Maurois, pseudônimo de Émile Salomon Wilhelm Herzog, da Academia Francesa, 1966 - Arte de Viver – ou A Pequena Filosofia da Vida. Tradução de Odilo Costa Filho e Álvaro Costa)

Se há um ótimo exemplo que serve de demonstração de como o protecionismo tarifário é prejudicial a uma sociedade, este exemplo é o Brasil. Um país fechado, caro e burocrático. Recursos naturais em abundância, mas um fracasso miserável na transformação industrial, na infraestrutura, nos serviços, na inovação e, sobretudo, em usar a economia como vetor de progresso social.

Os Estados Unidos sempre foram o exemplo oposto: a terra do comércio, da iniciativa privada, da competição, da liberdade. Uma nação próspera que tentou, após vencer a II Guerra Mundial, moldar o mundo à sua maneira. O resultado? Déficit crescente, infraestrutura decadente, população desamparada. Surge o Cisne Vermelho: ex-dono de cassino, ex-falido, ex-preso, que sobreviveu a tiro na campanha e a colapsos de mercado com a mesma expressão de quem vai jogar golfe. Outros tempos. Donald Trump, no comando do jogo, aperta o botão de pausa.

Certo ou errado — ou ambos —, ele está fazendo tudo o que disse que faria. E isso, por si só, já é disruptivo. O surpreendente não é que ele esteja cumprindo promessas. A surpresa é que essa seja a surpresa. Chamá-lo de protecionista, populista ou herege econômico não muda o fato: a política tarifária virou sua forma preferida de fazer guerra sem disparar uma bala. As que disparou foram para proteger o comércio no Mar Vermelho dos terroristas Houthis, que bombardearam quase duzentos navios da frota mercante americana, enquanto a China fingia que não via.

Trump parou a máquina bélica e declarou guerra ao comércio — com tarifas. E é aí que o Cisne Vermelho aparece.

A doutrina é simples: se você tem déficit comercial com outro país, está sendo explorado. Logo, a solução é cobrar caro para vender nos EUA. É o tal do “Make America Great Again” traduzido para o linguajar dos números. Criação de um economista de manual de autoajuda, Peter Navarro, hoje ventríloquo oficial do gabinete. Trump, mezzo impulsivo, mezzo arrogante — e sempre os dois —, sempre advogou essa ideia com fervor. E está executando com a frieza de um apostador profissional.


Foto: Barreiras ao comércio (Vista do Porto de Salvador). Crédito: Matheus Oliva

Ninguém deu muita atenção à uma das suas primeiras medidas: revogou a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), abrindo caminho para “negociar à sua maneira”. Nomeou Steven Witkoff, parceiro de negócios bilionários imobiliários em Nova York, para negociar com o exterior e liberou geral: pode corromper, pode intermediar, pode fazer do jeito que quiser — contanto que “funcione”. Novas regras para um jogo já era jogado pela concorrência. Para quem vê o mundo como cassino, a ética é a regra da mesa: muda conforme o crupiê. (Nota: A FCPA impedia que empresas americanas pagassem propina no exterior para fechar contratos, estabelecendo penas severas para corrupção internacional. Sua revogação abre um perigoso precedente.)

O Cisne Vermelho ao voar sobre Dubai, Hanoi, Kuala Lumpur, Nova Delhi e Xangai, vê um mundo, com arranha céus reluzentes, enriquecendo às custas da América. Acha que os EUA está sendo usado. E quer vingança — comercial, fiscal, simbólica. Acha que pode reequilibrar o orçamento federal como quem ajusta o balanço de um resort falido: corta onde der, sobe o preço da entrada, demite os garçons e briga com os fornecedores. 

Trump é o improvável que deu certo. Ou que deu errado com sucesso. E por isso precisa ser compreendido. Claro, no longo prazo, protecionismo é veneno. O Brasil é a prova viva disso. O Brexit também. Mas o que Trump propõe não é isolamento puro — é um reset. Uma revisão das regras, das prioridades, das dependências. Se as cadeias de suprimentos aguentarem o tranco, o mercado se ajusta. E pode até melhorar. 

Enquanto isso, a imprensa — em especial a americana — tropeça nos próprios vieses. Bloomberg, CNN e boa parte da intelligentsia liberal fazem oposição aberta, mas muitas vezes míope. Não entendem, ou não querem entender, que o que está em jogo é mais do que comércio. É geopolítica, é narrativa, é poder bruto.

A guerra agora é travada com metais raros, semicondutores e vulnerabilidades logísticas. Em abril de 2025, enquanto o mundo se escandalizava com as tarifas em retaliação, a China puxava o freio da cadeia global de suprimentos. Calmamente, e sem declarar guerra, colocou sob licenciamento cinco minerais essenciais: disprósio, térbio, tungstênio, índio e íttrio. Minerais sem os quais carros elétricos não funcionam, jatos militares não decolam, e turbinas eólicas viram esculturas caras e inúteis. Um ataque cirúrgico, silencioso e altamente eficaz. Metais raros simplesmente não existem em quantidade suficiente para sustentar o modo de viver atual da humanidade. Fato. 

O Ocidente dormiu por décadas enquanto a China consolidava esse monopólio. Hoje, os EUA dependem de 90% da produção chinesa desses elementos. E Trump, ao atacar a China com tarifas, levou Pequim a revidar justamente onde mais machuca: os materiais que sustentam a transição energética e o poder militar americano.

Mas a China também tem seu calcanhar de Aquiles: a estabilidade interna. Não há democracia, não há contrapesos institucionais, não há base social para lidar com protestos em massa. Se uma fagulha de clamor por liberdade se acender — seja pelo custo de vida, pela censura ou pelo desemprego —, o edifício político do Partido Comunista pode rachar.

Trump sabe disso. Seu ataque à China não é apenas econômico: é simbólico. Ele pressiona uma sociedade rigidamente controlada, forçando-a a tomar decisões arriscadas e impopulares. A China revida com minérios. Mas, se a população chinesa começar a se perguntar por que não pode protestar, consumir ou decidir, nem todos os minerais raros do mundo manterão a ordem social.

Assim caminha a humanidade. E assim caminha o Cisne Vermelho — um animal raro, imprevisível, barulhento, que ninguém queria ver chegando. Mas chegou. 

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