Cisne Vermelho XI

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Cisne Vermelho XI

“Não sei quando a frase “Pensar fora da caixa” ficou tão popular. De um dia para o outro, tornou-se “pecado” pensar de maneira lógica, dedutiva e convencional. Foi como se essas virtudes fossem descartadas e todos tivessem de ser heterodoxos ou ser considerados dinossauros. (...) nessa ilusão, a crença de que raciocínio e criatividade induzidos poderiam substituir – em vez de complementar – os fundamentos e a lógica” Garry Kasparov – Campeão mundial de Xadrez consecutivo de 1985 a 2001, “Xeque-Mate – A vida é um jogo de xadrez”, 2007. Nascido no Azerbaijão, autoexilado nos EUA. É voz opositora à Autocracia Russa.

Falar mal de Donald Trump é mais fácil do que piscar os olhos. E há um motivo forte para isso. Seu narcisismo exuberante é digno de mitologia faraônica. Impressiona achar-se semideus em pleno século XXI, mas as pessoas são o que são, e lá está ele, ocupando o cargo mais poderoso do planeta, portanto, de maior visibilidade na face da Terra. Ele se acha o melhor em tudo e ponto final. Não há, nem com fatos, nem com provas, como contrariá-lo nesse autoengano soberbo. Não é novidade na história humana esse tipo de personagem. Existem milhares perambulando e governando por ali, acolá e por aqui. Mas não é isso o que torna fácil falar mal do 47.º presidente dos EUA. A facilidade é porque ele governa uma democracia. Há livre imprensa e liberdade de expressão.

Quem ousa falar mal, contestar ou confrontar Xi Jinping, desaparece. Quem critica, insulta ou acusa Putin, morre. E assim por diante. Autocracias. Por isso, falar mal de Trump é fácil. Seguro. Constitucional. Garantido.

 

Foto: “Liberdade de Expressão” – Largo Da Ordem, Curitiba. Crédito: Matheus Oliva.

O Cisne Vermelho é disruptivo. Exerce o poder que lhe foi conferido pela democracia de forma absolutamente fora de qualquer padrão burocrático. Joga um jogo arriscado. Escala uma guerra comercial como um jogador compulsivo, dobra a aposta e, com isso, revela o que muitos preferiram ignorar: a ambição geopolítica da China. Uma potência que finge pacifismo comercial enquanto constrói um poder militar dominante. Os EUA dormiram no ponto, embriagados por consumo. A Europa, pior, hibernando num berço imperial esplêndido, financiado por séculos de exploração do que chamavam antes de Novo Mundo, depois rebatizaram de Terceiro Mundo e hoje são emergentes submersos.

Se Trump tem uma virtude como governante, essa é a franqueza. Transparência sem filtro. O povo — de qualquer país — pode até não ser letrado, mas sabe, em minutos, quando está sendo enganado. Sobretudo em democracias, onde a cada quatro anos há eleições. Trump e seu governo já prestaram mais contas, deram mais entrevistas e se submeteram a mais perguntas incômodas do que muitos presidentes anteriores em dois mandatos inteiros. Sem pompa, sem retórica. A imprensa entra no Salão Oval, pergunta, ele responde. Olho no olho.

Daí a surpresa. Daí o Cisne Vermelho. Um evento inesperado, negado pela soberba da burocracia de gabinete. Uma burocracia que sonha com utopias inalcançáveis, que avançou sobre a república como metástase, destruindo o mérito, podando o livre arbítrio, arbitrando justiça social.

Nas tarifas, o Cisne Vermelho vira o mundo do avesso. Economistas teóricos se perdem nos modelos. Trump escoiceia como um potro selvagem no picadeiro, não aceita ser montado. Arrisca tudo. A China tem brio, dinheiro, diligência, tecnologia, infraestrutura, filosofia, experiência. Um exército de predicados. Batalhar contra ela não é trivial. E, mesmo assim, Trump encara. Em resposta, a China acusa os EUA de bullying e exige desculpas. O conflito desce do tabuleiro estratégico para o campo mais humano de todos: a moral. E Xi Jinping que domina com mão de ferro um país tão exuberante e gigantesco, quanto frágil, não pode jogar outra carta senão a do enfrentamento. Não pode piscar, não pode pedir tempo, nem jogar em modo café com leite. Um sinal de fraqueza, em uma autocracia, é mortal.

É muito fácil criticar Trump. Difícil é ouvir uma crítica contundente a Xi Jinping. A chapa Trump-J.D. Vance venceu com os votos do americano rural, simples, operário, que clamava por uma mudança de vida. Gente sufocada por uma burocracia social-democrata que se esbalda em discursos de igualdade financiados com dinheiro alheio.

Na China, por outro lado, reina a propaganda. Xangai brilha, os portos impressionam, a tecnologia assombra. Mas o povo do interior não tem voz. Não há vice-presidente. Só há o Partido Comunista Chinês. Quem desafia, some. A China não tem artista, nem jornalista, com liberdade para criar. Tem técnica, engenharia, obediência. Alguns atribuem isso ao confucionismo ou ao budismo. Nunca à foice e ao martelo do comunismo. O mesmo comunismo que implodiu a URSS, a Europa Oriental e que já trincou a China por dentro. Todos esquecem da Praça da Paz Celestial.

Nada é perfeito. Mas posar de corajoso em uma democracia, com liberdade de expressão garantida, é tão soberbo quanto o próprio Cisne Vermelho. Ignorar as atrocidades das autocracias e ainda enaltecê-las é covardia, cinismo ou desfaçatez — ou tudo junto.

A China impressiona os ocidentais com sua elite rica, litorânea e urbana. Mas poucos se incomodam em olhar para os grotões do interior, para o povo miserável das montanhas, dos desertos, dos campos. São dezenas de milhões em semiescravidão. A conta não fecha.

O mundo está aquecendo, inclusive os ânimos. Mas o Sol — que insiste todo dia em iluminar a Terra — é muito mais quente. E, é bíblico, debaixo do Sol não nada novo.

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