&ldquo;...Quero dizer que a democratiza&ccedil;&atilde;o da Europa &eacute;, simultaneamente, uma institui&ccedil;&atilde;o involunt&aacute;ria para o cultivo de tiranos &ndash; tomando a palavra em todo sentido, tamb&eacute;m no mais espiritual.&rdquo;&nbsp; 
Al&eacute;m do bem e do mal. 
&nbsp;Friederich Nietzsche 
&nbsp;

Nestes tempos atuais o julgamento instant&acirc;neo prospera e a reflex&atilde;o &eacute; obsoleta. A polariza&ccedil;&atilde;o reduz a pol&iacute;tica a um cabo de guerra ideol&oacute;gico, e quem prega o di&aacute;logo ponderado parece um rabino lendo a Tor&aacute; em Meca. Fundamentalistas e extremistas abriram um enorme espa&ccedil;o para os espertos. No meio desse caos, Donald Trump &eacute; visto por alguns como um conservador, defensor de valores tradicionais e um contrapeso ao globalismo progressista. Mas essa &eacute; uma leitura ing&ecirc;nua. Trump n&atilde;o &eacute; um conservador no sentido cl&aacute;ssico do termo. Seu projeto pol&iacute;tico n&atilde;o se baseia na preserva&ccedil;&atilde;o de institui&ccedil;&otilde;es, tradi&ccedil;&otilde;es e valores. Mas sim na destrui&ccedil;&atilde;o de qualquer opositor. Seu &quot;conservadorismo&quot; &eacute; meramente instrumental, uma narrativa eleitoral para mobilizar descontentes e obter apoio irrestrito com a guerra ao Estado burocr&aacute;tico esbanjador. Salvador da Rep&uacute;blica.

No plano global Trump governa como um imperialista, n&atilde;o como um republicano. Sua pol&iacute;tica externa n&atilde;o se preocupa com direitos humanos, soberania nacional ou valores democr&aacute;ticos. Ele negocia a Ucr&acirc;nia como se fosse uma ficha de p&ocirc;quer e d&aacute; sinais claros de que seu interesse &eacute; puramente geopol&iacute;tico. No baile aristocr&aacute;tico sequer cumprimenta os Europeus, prefere estar na mesa com Vladmir Putin e Xi Jiping organizando novas fronteiras territoriais e rotas comerciais para as partes.

A l&oacute;gica americana &eacute;, como qualquer outra na&ccedil;&atilde;o, expansionista. Acreditar que as fronteiras de hoje s&atilde;o eternas, &eacute; ignor&acirc;ncia. Em 1848, ap&oacute;s uma guerra brutal contra o M&eacute;xico, os EUA garantiram acessos mar&iacute;timos de grande relev&acirc;ncia e imensa expans&atilde;o territorial. Em 1867, compraram o Alasca na m&atilde;o dos Russos, o que se revelou um golpe de mestre com a descoberta de ouro e petr&oacute;leo. O Canal do Panam&aacute;, conclu&iacute;do pelos americanos em 1914, ap&oacute;s o fracasso da Fran&ccedil;a &eacute; outro exemplo: para garantir a obra, os EUA patrocinaram um movimento separatista panamenho, garantindo o controle sobre uma rota comercial important&iacute;ssima.

Trump se insere nessa tradi&ccedil;&atilde;o expansionista imperial que remonta aos per&iacute;odos anteriores &agrave;s guerras mundiais, ambas iniciadas em conflitos na Europa. Seu imperialismo &eacute; transacional. Amea&ccedil;a anexar todo Canad&aacute;, para, como um troco, ficar com a prov&iacute;ncia de Alberta, riqu&iacute;ssima em petr&oacute;leo e outros recursos. Sobre Taiwan, o Departamento de Estado j&aacute; atualizou a declara&ccedil;&atilde;o oficial sobre a ilha alvo da China. Os EUA removeram a frase que dizia que os EUA n&atilde;o apoiam a independ&ecirc;ncia taiwanesa. &nbsp;Taiwan tem sido historicamente um parceiro estrat&eacute;gico dos EUA, embora sem reconhecimento oficial. A imprensa sequer se atentou para esta mudan&ccedil;a e isso j&aacute; faz mais de uma semana. Taiwan &eacute; a maior fornecedora de chips para o Pent&aacute;gono. Com uma pequena frase que muda tudo, d&aacute;-se recado claro &agrave; China de que a ilha &eacute; moeda de troca&nbsp;

Diferentemente da pol&iacute;tica externa tradicional dos EUA, que oscilava entre intervencionismo e diplomacia, Trump adota uma abordagem mafiosa. Ele n&atilde;o quer guerras prolongadas, mas tamb&eacute;m n&atilde;o pretende recuar do xadrez geopol&iacute;tico. Para ele a esperteza &eacute; a m&atilde;e de todas as virtudes. Tudo &eacute; neg&oacute;cio, tudo &eacute; barganha, e a for&ccedil;a sempre prevalece sobre os acordos abstratos. Fronteiras e tratados s&atilde;o abstra&ccedil;&otilde;es sujeitas a mudan&ccedil;as circunstanciais. O multilateralismo, a ONU e as alian&ccedil;as tradicionais s&atilde;o entraves, n&atilde;o ferramentas. O livre com&eacute;rcio e a paz s&atilde;o apenas circunst&acirc;ncias. Depende de terceiros negociarem sob seus termos.

Estamos em uma nova fase do imperialismo global: um jogo de poder com novas regras, muitas ainda sequer foram escritas. Intuitivamente ou n&atilde;o, o Cisne Vermelho segue a cartilha de Hans Morgenthau, nascido em 17 de fevereiro de 1904, em Coburg, na Alemanha. Estudou Direito e Ci&ecirc;ncias Pol&iacute;ticas, mas com a ascens&atilde;o do nazismo na Alemanha emigrou para os EUA em 1937, fugindo da persegui&ccedil;&atilde;o do regime de Hitler. Tornou-se professor na Universidade de Chicago, onde desenvolveu teorias sobre pol&iacute;tica internacional. Morgenthau teve embates com os formuladores de pol&iacute;tica externa dos EUA, especialmente durante a Guerra do Vietn&atilde;, que ele considerava um erro estrat&eacute;gico. Ele argumentava que os EUA deveriam evitar conflitos baseados em ideologias e focar no interesse nacional realista, baseado no pragmatismo e n&atilde;o em ilus&otilde;es idealistas.

Trump est&aacute; longe de ser um pacifista, mas tamb&eacute;m &eacute; errado lig&aacute;-lo &agrave; m&aacute;quina de guerra americana operativa entre democratas e republicanos. Antes da II Guerra Mundial, os EUA eram muito mais neutros em conflitos no exterior; sua filosofia era expansionista dentro de seu pr&oacute;prio territ&oacute;rio. Trump quer fortalecer e expandir os EUA, rivalizar com China e R&uacute;ssia. Acabou a amizade e os tapinhas nas costas da burocr&aacute;tica e iludida Uni&atilde;o Europeia. Bem-vinda, ent&atilde;o, &oacute; humanidade, ao novo imperialismo global. Algum especialista esperto de algum banco de investimento j&aacute; pode aposentar o &ldquo;BRICS&rdquo; e come&ccedil;ar a usar o acr&ocirc;nimo da nova era que cruza os limites democr&aacute;ticos: a era imperial que &ldquo;C.R.USA &ndash; China, Russia e USA&rdquo;. Cabe a Europa se defender e o resto do mundo entender que o futuro n&atilde;o &eacute; certo nem errado, &eacute; incerto.

Matheus Oliva

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Cisne Vermelho VI

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