Cisne Vermelho XIX

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Cisne Vermelho XIX

“Ó poder! Ó grandeza! Milhões de olhos falsos em ti se fixam! Grandes maços de notícias circulam, tendenciosas, sobre tuas ações. Cabeças loucas sem conta te atribuem os próprios sonhos ociosos, e com suas fantasias te colocam no potro.” 
(Personagem Vicêncio [V.i.] em ‘Medida por Medida’, por volta de 1604, em “Shakespeare: a Invençao do Humano” de Harold Bloom, 1998, tradução de José Roberto O’Shea)

O contrário de autocracia não é democracia. É anarquia. Entre os polos opostos anárquicos e autocráticos, resiste a democracia, em diversos tons, pincelados com a tinta histórica de cada nação que a adota como sistema de governança social. É nesta confusão de conceitos que a oposição ao ímpeto autoritário – não autocrático – de Donald Trump se perde. A social-democracia da esquerda americana, derrotada nas urnas e inepta na gestão do erário, virou especialista em desperdício e retórica. Ensaia, em seu teatro de horrores, uma peça de cunho anárquico no país de população mais livre do mundo, em termos demográficos absolutos. Não preserva a democracia – mina seus alicerces. O que antes era oposição democrática tornou-se sabotagem institucional. O que era disputa de ideias transformou-se em guerra contra os próprios fundamentos da República.

Hoje, nos EUA, a mesma elite que se apresentava como guardiã dos oprimidos recorre à violência em fúria tirânica. A destruição sistemática de mais de duzentas concessionárias da Tesla (antes a queridinha dos que hoje a destroem) é um caso de desordem difícil de compreender, completamente desproporcional em relação de causa e efeito. Comparar Elon Musk a Hitler é prova irrefutável do colapso educacional. Um insulto à memória histórica e à inteligência humana. Sob o pretexto de combater o capitalismo para a preservar democracia, o movimento que depreda lojas, queima carros e ameaça a liberdade empresarial revela sua verdadeira face: a de uma social-democracia que abandonou a razão e flerta abertamente com a anarquia. Não protestam – depredam. O discurso libertador é apenas verniz para o instinto destrutivo.

 


Foto: “Querem que o mar pegue fogo, para comerem peixe frito.”
(Crédito: Matheus Oliva)

Trump, ao chamá-los de lunáticos, acerta na mosca. O adjetivo descreve com precisão o desvario moral e político de uma esquerda que perdeu o juízo e o norte. Os correligionários democratas estão no limbo da aprovação popular porque já não representam ninguém além de seus próprios espelhos. Abandono das cidades, colapso das escolas, desvalorização do mérito e a substituição da competência por ideologias de gabinete. Na Califórnia, o laboratório dessa decadência, o governador Gavin Newsom – herdeiro político de uma social-democracia hollywoodiana – transformou o próspero estado em um campo de calamidade. A promessa do trem-bala de meros 700 km, jamais se realizou. Quinze anos se passaram. A China construiu mais de 30.000 km de trens ultramodernos nesse mesmo período. A Califórnia, com discursos sobre justiça social e sustentabilidade, não entregou sequer o projeto original – e ainda estourou o orçamento em dezenas de bilhões de dólares. Um fiasco monumental.

Enquanto isso, a equipe de Trump – inexperiente, amadora, mas voluntariosa – protagoniza discussões geopolíticas em chats de rede social, numa mistura de sincericídio com arrojo juvenil. Mesmo caótica e vexatória, sua franqueza expõe a hipocrisia das formalidades sem coragem dos burocratas da social-democracia que de seus gabinetes apenas assistem o mundo pegar fogo e derreter o gelo no polo norte.

A verdade é que a social-democracia, tanto nos EUA quanto na Europa, virou sinônimo de fracasso. Prometeu equilíbrio. Entregou desequilíbrio, permissividade e mediocridade. Em nome dos direitos, esqueceu-se dos deveres. Em nome da inclusão, destruiu o mérito. Em nome da igualdade, promoveu a mediocridade. Em nome da compaixão, legalizou a permissividade. 

O Cisne Vermelho nada contra essa corrente de arrogância anárquica. Sua liderança, por vezes desastrada e muitas vezes arrogante, tem ao menos um norte: restaurar os fundamentos. Defender fronteiras, proteger o mérito, estimular o trabalho, resgatar a transparência das ações governamentais como valor público. Isso incomoda porque exige da sociedade algo que ela já não sabe como oferecer: maturidade.

Resta, assim, uma conclusão incômoda e inevitável: a social-democracia não quer justiça; quer controle. É ávida por tributar numa sanha que se assemelha mais a uma extorsão do que a uma política pública racional. Esmaga o produtor para manter uma burocracia paquidérmica, incompetente e iludida. Penaliza o esforço, recompensa o vitimismo. E dessa equação perversa nasce a verdadeira anarquia: a infantilização de uma sociedade que já não sabe crescer. Enquanto, no Ártico, as Autocracias já navegam em teatro de guerra há bastante tempo. O Cisne Vermelho não aparenta ter um plano – ao menos tem um ímpeto e grasna para todos acordarem.

O Cisne Vermelho não inventou essa crise. Apenas teve o tino de um líder ávido por poder ao captá-la e enfrentá-la. Seu sucesso vem da percepção aguda de que os EUA vivem uma era de profunda debilidade moral. Uma sociedade amparada exclusivamente em direitos, avessa a obrigações, alimentada por uma visão distorcida da realidade, não pode prosperar. A retórica progressista fala em empatia, mas cultiva o ressentimento. Fala em justiça social, mas odeia a responsabilidade individual. Pura arrogância. Uma era em que todos se julgam no direito de impor suas vontades, mas ninguém se dispõe a rogar. E aqui está o ponto: rogar é o oposto de arrogar. Rogar pressupõe humildade. Arrogar é a manifestação suprema da falta de civilidade.

Vivemos sob tutela de crianças em corpos adultos. Gritam, exigem, impõem – mas não sabem pedir. Nem sabem agradecer. 

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