O presente revela o passado

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O presente revela o passado

A provecta Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo, até que um novo sopro de vida a desperte de sua longa sonolência, parece mais morta do que viva. Muito mais morta do que imaginas!

Quem viveu os instantes criativos do memorável discurso do professor Gofredo da Silva  Teles, evocando a instalação de uma assembleia nacional constituinte e o renascimento das liberdades democráticas no Brasil, não pode se  contentar com o velho Largo tomado por imprestáveis sindicatos, capitaneados pela CUT, os movimentos  identitários que feriam de morte a Nação pulsante de  vida, movimentos  sociais inexpressivos,  verdadeiros assaltantes da  soberania popular, coveiros e corifeus das tradições liberais modeladoras da Democracia e da representação popular, defensores contumazes do socialismo e suas formas desprezíveis de totalitarismo, enfim, do constitucionalismo que se  desenvolveu no Brasil nas inteligências mais prodigiosas de um Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, José Bonifácio e outros luminares de nossa cultura jurídica.

Alí não compareceu a Nação, mas os representantes de uma  esquerda deserdada e confusa, sobretudo depois do desfazimento de suas ilusões em 1991, exprimindo seu desespero e juras a um objeto eletrônico, as urnas secretas  e  rejeitadas pelas grandes democracias do mundo.  

Alí, na  verdade, se  configurava um futuro  sombrio, a  confirmar a predição científica e modernizadora do pensamento de Marc Bloch e Lucien Febre, criadores da  École des Annales, de  que era no desabrochar do presente que o passado revelava-se por inteiro, nos permitindo antever o destino amargo que nos  esperava.

A Democracia, que tão duramente conquistamos, nos  escapa por  entre os  dedos. Voltamos aos tempos dilacerantes dos presos políticos, dos perseguidos, dos exilados e expatriados, da censura às redes sociais e à própria imprensa estatizada, das razias policiais e do medo. A Ditadura que se instalou não comporta mais as formas tradicionais de ocupar e exercer totalitariamente o poder político, mas consiste em desconhecer e violar as leis e a Constituição. Refiro-me à Juristocracia, tal como magistralmente a definiu o Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor emérito da USP, com doutorado na Universidade de Paris, no seu artigo, que recomendo a leitura (Google), “Juristocracia não é Democracia”.

Naquela fatídica reunião, no Largo de tantas tradições, previu-se uma época de paz e prosperidade, sem que para isso os ocupantes possuíssem o talento e os meios para alcançar tais promessas. O que se viu foi o advento deste quadro que já tínhamos  superado no passado, com a  volta demolidora da inflação, a escalada vertiginosa  dos preços  dos  alimentos, a instabilidade cambial como uma  espada de Dâmocles  sobre nossas cabeças desprotegidas, o descontrole das  contas públicas e o desvario dos  gastos públicos. O país empobrece a olhos vistos!

A Carta aos Brasileiros de 2022 não guarda qualquer  similitude com a  Carta aos  Brasileiros de 1977. A de 2022 foi um logro, um convite ao fracasso. A de 1977 foi uma conquista que já se prolongou por 37 anos, ao longo dos quais proliferou a Democracia, arrostando dificuldades, mas plantando suas raízes, que agora são arrancadas da terra para dar lugar a mais torpe violação das normas e dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro.

O que foi feito com os princípios profligados em 2022? Desde a eleição do descondenado à mais alta magistratura do país, deixamos de ser uma  nação comprometida com os valores que ergueram a civilização ocidental -a  cultura grega, o direito  romano e o cristianismo – para aderir ao terrorismo  em voga no mundo oriental, às ditaduras totalitárias dominantes em países como Rússia e China, a desconstrução dos nossos valores cristãos, a adesão ao antissemitismo, a  militância e  compromisso com as manobras do Fórum de São Paulo, as  alianças com ditaduras sanguinárias da América  Latina, enfim, o  rompimento que nos fazia um lídimo partícipe das conquistas que o Ocidente legou ao mundo  civilizado, que, afinal, nos  compete defender e preservar para o futuro.

Tamanha é a diferenciação entre 1977 e 2022, que se torna difícil, quase impossível admitir que o mesmo povo que inspirou a Carta de 1977 foi o que aceitou de bom grado, o que estava delineado na Carta capciosa de 2022. É como tivesse chegado “o dia em que a inteligência será depreciada e a estupidez adorada”, capturando a frase do laureado escritor português José Saramago.

Desse modo, penetramos na mais absoluta escuridão, no império da ignorância e do medo e tudo isso com o cinismo medonho de defesa das instituições democráticas. Exatamente o que um grande escritor latino americano, Ernesto Sábato, tão bem definiu: “nestes tempos de  triunfalismos falsos, a verdadeira resistência  é a que combate por valores que se consideram perdidos”.

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