A Constituição é tudo. Sem ela não somos nada. Pergunta semelhante fez o Abade Emmanuel Joseph Sieyes, em 1789, durante a reunião dos Estados Gerais, em plena revolução francesa, insurreição que, a despeito da sua imensa crueldade, plantou os princípios iluministas da sociedade liberal e democrática.
O Terceiro Estado era a plebe. O próprio Abade Sieyes não hesitou em responder: “O Terceiro Estado é tudo. O que é ele até agora na ordem política? Nada”. Foi o bastante para reuni-lo em Assembleia Nacional Constituinte, deflagrar a insurreição e soltar os presos políticos da Bastilha.
É chegada a hora improrrogável de proclamar: a Constituição é tudo. Traidor da Constituição é traidor da pátria, como disse Ulysses Guimarães, o nosso chefe constitucional.
A nossa Constituição de 1988 cuidou meticulosamente para que o país tivesse instituições sólidas, plantadas num texto claro, no qual todo poder emana do povo e será exercido por seus representantes eleitos. Desde a primeira Constituição francesa está definido, que todo Estado que não zelar pelos direitos fundamentais do cidadão e pela separação dos poderes, é uma Estado sem lei.
Suprema é a Constituição, lei maior sobre a qual repousa todo ordenamento jurídico e ninguém, nenhuma cidadão, é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão o que a Constituição e as leis estabelecem.
Entre esses direitos imprescritíveis reina soberana a liberdade de pensamento e sua expressão. É explícita a proibição de juízo ou tribunal de exceção, sendo a livre expressão fundamento número um de um estado democrático de direito.
O Poder Legislativo, é encarregado de fazer as leis, e em muitos casos com a colaboração do Poder Executivo, a quem cabe administrar os negócios públicos em benefício das comunidades, são eles, exclusivamente, detentores de poderes políticos, emanado do sufrágio popular, o que lhes assegura a legitimidade de suas ações.
Ao Poder Judiciário compete punir os delitos, com imparcialidade e atento ao princípio elementar do Direito de que não há crime, nem obrigações, que não estejam previstas em lei. Sem o respaldo do voto popular, o judiciário não dispõe de poder político e sempre que se arvora a invadir tal competência comete crime grave contra o povo.
Em suma, é o que a nossa Constituição configura como a essência do sistema político, a que estão sujeitas todas as instituições nacionais, a fim de reproduzirem um sistema democrático e liberal.
Lastimavelmente, em nosso país foi implantado o que os juristas mais categorizados chamam de uma Juristocracia, que se insurge contra as regras constitucionais mais elementares. Este regime, comandado pela suprema corte do país, invade competências dos outros poderes, governa a administração pública, fabrica as leis que são lhes são convenientes para punir, julgar, perseguir e tomar partido nas disputas políticas, imagina castelos de areia e punições penais absurdas e ridículas, interfere em ambientes jurisdicionais externos e distribui sanções para cidadãos e empresas estrangeiras, instaura inquéritos ilegais e eternos, cognominados de “inquéritos do fim do mundo”, prende cidadãos inocentes, exila outros, cassa parlamentares e os pune por crime de opinião prolatados da tribuna parlamentar, modula as regras intocáveis do Direito para eliminar as garantias do cidadão, privando-os do Juiz natural, do acesso integral às provas em julgamentos fabricados, da corte recursal e do devido processo legal. O país vive sufocado na insegurança jurídica, na corrupção, nos privilégios das elites no poder e da marcha desenfreada em direção ao fracasso econômico e social.
Sob a égide de um tribunal de exceção, não temos uma jurisprudência confiável, cuja alternância se processa a cada momento, a exemplo de estender o imoral instituto do “fórum privilegiado” aos ex detentores de cargos públicos que faziam jus a este insuportável privilégio, apenas porque desejavam julgar e condenar seus desafetos políticos.
A Juristocracia é um veneno mortal. É nesse sentido que Viktor Frankl, sobrevivente do holocausto e psiquiatra da Logoterapia, nos fez uma pergunta inadiável: “Qual o sentido da morte? Se fôssemos imortais, poderíamos adiar cada ação indefinidamente, somente em face da morte somos obrigados a fazer uso da vida”. Urgentemente.