Rui Barbosa, num comício em Salvado na campanha para a Presidência da República, deslumbrado com a praça repleta, teria exclamado: “depois disso e diante disto, não sei como principio”. Inversamente, ao deslumbramento do grande político baiano, encontro-me profundamente confuso e não sei por onde principiar. Se pela desordem jurídica e moral do Ministro e seu assessores no trato da coisa pública e legal ou pelo absurdo discurso do Ministro Presidente do STF, classificando o papel da instituição que preside de “político”, e não meramente técnico-jurídico, como estabelece a Constituição.
Vivemos, sim, uma época de desordem e medo. A confiança nas instituições se perde no lodaçal moral em que chafurda a vida política do país. É simplesmente estarrecedor o que dizem e fazem indivíduos aos quais confiamos os mais sagrados tesouros da justiça.
Analisar fatos os ocorridos e as palavras proferidas é chover no molhado. Já o fizeram conceituados e tradicionais órgãos de mídia. Não é o nosso propósito repetir os conceitos profligados.
Eles são suficientes para configurar o estado miserável das nossas instituições.
Nos move, todavia, uma tentativa de entendimento, que supere o mortal silêncio do povo, dos poderes constituídos, da comunidade de intelectuais, artistas, enfim, da reserva crítica, que não pode faltar a nenhuma nação, que pretenda um lugar entre os povos civilizados e democráticos do mundo.
Pode-se dizer que é o silêncio dos pântanos, pois expressam suas divergências e protestos os poucos setores, que decidiram romper a barreira do medo e da subordinação, mas são insuficientes para erguer, no curto prazo, uma consciência nacional, capaz de superar a ignorância e a servidão moral e intelectual a que está envergada a maioria da Nação.
A esperança, contudo, é uma centelha, que pode, a qualquer momento irromper no horizonte e converter a nossa humilhante realidade naquilo que Guimarães Rosa, lucidamente profetizou em Grande Sertão: Veredas : “Sei, ou o senhor sabe? lei é asada é para as estrelas. Quem sabe, tudo que já está escrito tem constante reforma – mas que a gente não sabe em que rumo está – em bem ou mal, todo o tempo reformando?
Esse é o mistério da História. Algo está acontecendo que nossa visão não alcança, mas está se movendo como um movimento tectônico surdo e silencioso, que a algum tempo nos surpreenderá, como algo novo que se alevanta!
O volume das ofensas e das asneiras que se cometem é de tal monta, que nos autoriza dizer que esse movimento, ainda que lentamente, está ocorrendo.
Não é possível que uma Nação, ainda que inculta, inexperiente e bela, não esteja percebendo a senda do suicídio, a morte pela ingestão de cicuta e o gosto amargo desta planta herbácea tão venenosa e mortal, a ponto de ceifar a vida, mas não o legado de Sócrates, o grego!
Os sinais são evidentes. A vida insiste em prevalecer. Nota-se claramente na inconsistência dos que defendem esta culminância da desordem e da insegurança Jurídica, que atentam contra os direitos individuais e o progresso econômico do país e nas aleivosias de um ministro deslumbrado e boçal, cujos conceitos são recusados pela unanimidade dos juízes dos tribunais estrangeiros.
O X da questão é, na realidade nua e crua, é se o Brasil, país novo, de cultura mestiça e retumbante, cai na esparrela das ditaduras medíocres ou será, como o futuro conclama uma nova Nação, exemplar e democrática?